Frei Betto*
Ouço o apito de alerta à bateria, o repicar dos tambores, o chacoalhar metálicos dos pandeiros, a marcação do bumbo, o gemido agônico da cuíca, o estremecer rítmico da batucada. Sei que é Carnaval.
Festa de se travestir no que não se é, euforia inescrupulosa, despir o corpo e a alma ao descompasso dos pés movidos pelo samba, erguer os dedos das mãos enquanto o corpo rodopia ao som de marchinhas. Meu Carnaval é outro.
Não o do repúdio moralista à nudez produzida para o olhar televisivo. Nem o das escolas de samba na épica revelação de como a história pode ser contada por uma versão onírica. Nem o dos bailes em que máscaras e fantasias melhor traduzem o que somos, sem disfarces.
Meu Carnaval é espiritual. Nele ressoam enredos abissais. Há um cortejo de virtudes que exercem sobre mim fascínio e medo. Há um cordão de arlequins e pierrôs cuja alegria deixa ensimesmada minha falta de coragem para me deixar levar. Há um baile no salão profundo de minha subjetividade, no qual, sem máscara, se espelha minha verdadeira identidade.
Meu Carnaval é pura orgia. Porque me recolho na alcova da plena nudez e convoco o trio: o Pai, que é mais Mãe, o Filho e o Espírito Santo. Ébrios de amor, atravessamos as madrugadas em uma despudorada esbórnia espiritual.
Às primeiras luzes do amanhecer já não sabemos quem é um e quem é outro. Somos todos imagem e semelhança de um e de outro. Mergulhados em ressaca mística.
Meu Carnaval não tem a elegância das comissões de frente, a majestática apoteose dos carros alegóricos, o esplendor dos concursos em que desfilam imperadores e ninfas. É uma festa na qual o espírito se despe de toda fantasia e se exibe às verdades mais atrozes.
Nele, cubro-me de paetês e de lantejoulas para aliviar o dom inefável de me saber morada divina.
Faço de conta que sou apenas o que aparento, embora exposto intimamente à passarela repleta de gente que assiste, extasiada, ao desfile surpreendente das bem-aventuranças.
Circulo pelos salões travestido de palhaço. Assim, posso rir dos senhores cheios de certezas, dos que julgam que a vida tem mais respostas que perguntas, de quem faz da existência mero adereço da própria vaidade, sem jamais provar a comunhão amorosa com a natureza, o próximo e o mestre-sala que faz o Universo dançar como cabrocha desnuda, exibindo o lindo corpo salpicado de galáxias brilhantes.
Meu Carnaval se estende por toda a vida, até culminar na apoteose que faz do radicalmente humano sua divina plenitude.
Meu Carnaval é acreditar que o reinado de Momo é prenúncio do futuro que nos aguarda, quando toda lágrima secará, todo choro cessará, todo luto se apagará, toda saudade findará.
Porque Ele será tudo em todos e as portas de seu reino, escancaradas, acolherão todos ao eterno amor que cativa, arrebata, transubstancia, como deleitável fogo que jamais queima nem se apaga.
Festa de se travestir no que não se é, euforia inescrupulosa, despir o corpo e a alma ao descompasso dos pés movidos pelo samba, erguer os dedos das mãos enquanto o corpo rodopia ao som de marchinhas. Meu Carnaval é outro.
Não o do repúdio moralista à nudez produzida para o olhar televisivo. Nem o das escolas de samba na épica revelação de como a história pode ser contada por uma versão onírica. Nem o dos bailes em que máscaras e fantasias melhor traduzem o que somos, sem disfarces.
Meu Carnaval é espiritual. Nele ressoam enredos abissais. Há um cortejo de virtudes que exercem sobre mim fascínio e medo. Há um cordão de arlequins e pierrôs cuja alegria deixa ensimesmada minha falta de coragem para me deixar levar. Há um baile no salão profundo de minha subjetividade, no qual, sem máscara, se espelha minha verdadeira identidade.
Meu Carnaval é pura orgia. Porque me recolho na alcova da plena nudez e convoco o trio: o Pai, que é mais Mãe, o Filho e o Espírito Santo. Ébrios de amor, atravessamos as madrugadas em uma despudorada esbórnia espiritual.
Às primeiras luzes do amanhecer já não sabemos quem é um e quem é outro. Somos todos imagem e semelhança de um e de outro. Mergulhados em ressaca mística.
Meu Carnaval não tem a elegância das comissões de frente, a majestática apoteose dos carros alegóricos, o esplendor dos concursos em que desfilam imperadores e ninfas. É uma festa na qual o espírito se despe de toda fantasia e se exibe às verdades mais atrozes.
Nele, cubro-me de paetês e de lantejoulas para aliviar o dom inefável de me saber morada divina.
Faço de conta que sou apenas o que aparento, embora exposto intimamente à passarela repleta de gente que assiste, extasiada, ao desfile surpreendente das bem-aventuranças.
Circulo pelos salões travestido de palhaço. Assim, posso rir dos senhores cheios de certezas, dos que julgam que a vida tem mais respostas que perguntas, de quem faz da existência mero adereço da própria vaidade, sem jamais provar a comunhão amorosa com a natureza, o próximo e o mestre-sala que faz o Universo dançar como cabrocha desnuda, exibindo o lindo corpo salpicado de galáxias brilhantes.
Meu Carnaval se estende por toda a vida, até culminar na apoteose que faz do radicalmente humano sua divina plenitude.
Meu Carnaval é acreditar que o reinado de Momo é prenúncio do futuro que nos aguarda, quando toda lágrima secará, todo choro cessará, todo luto se apagará, toda saudade findará.
Porque Ele será tudo em todos e as portas de seu reino, escancaradas, acolherão todos ao eterno amor que cativa, arrebata, transubstancia, como deleitável fogo que jamais queima nem se apaga.
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