As forças especiais que mataram Bin Laden sob a assistência das mais altas autoridades americanas, sabiam que o mesmo sentimento do espectador do filme sobre o policial intocável - Eliot Ness - seria perfeitamente partilhado pelo mundo real que lhe interessa.Enio Squeff, na Carta Maior.
A morte de Osama Bin Laden parece confirmar aquele lugar comum de que a realidade imita arte. No imaginário americano, pela característica imutável do herói que arrosta o mundo e que o resolve dentro da "lei e da ordem" (a prescindir da sociedade, evidentemente), a cena final se dá sempre com o duelo fatal entre o mocinho - o xerife digamos - e o bandido. Haveria que acrescentar alguma coisa à foto divulgada pela internet em que aparecem Obama e Hilary Clinton a ver ao vivo e a cores o ataque final das tropas americanas ao último reduto do terrorista? Talvez à cena muda se pudesse acrescentar uma música de John Williams ("Guerra nas Estrelas"), ou de Ennio Morricone ("Dólar Furado"); ela aduziria aos últimos momentos da morte do facínora, o sentido épico que a tornaria então ficcional, como nos velhos westerns. Tudo, no fundo, parece se resumir àquela resposta que Picasso deu a alguém que observou não ser o retrato que ele fizera de uma escritora, muito parecida com a própria. Picasso retrucou que ela ficaria parecida um dia. De fato, um dia a cena verdadeira dos dois mandatários a olharem a operação especial das tropas no Paquistão, ficarão iguaizinhas as de um filme de ficção. São cenas verdadeiras - mas elas imitarão a sétima arte até se tornarem tão parecidas quanto.
É, por ora, uma hipótese. Mas a realidade parece sempre se tornar arte por hipótese, dentro das possibilidades do imaginário coletivo. Aos pintores impressionistas, dá-se-lhes o crédito de terem antecipado a velocidade do mundo moderno, ao criarem uma pintura difusa, esvoaçante como a imagem que captamos de dentro de um automóvel em alta velocidade. Eles teriam antevisto a fugacidade de um universo em transformação. É essa a dimensão também musical da pintura que nasceu no século XIX: Monet, Pissarro e Sisley pintaram o tempo. Em relação ao cinema americano, a coisa parece ser bem mais complexa: há a imitação do cinema catastrofista na cena assustadora dos aviões a explodirem as torres gêmeas. O temível é que já a tínhamos devidamente antecipada naquelas fitas em que tudo explode - do mundo à casa em que só restou o facínora. E que, a depender do sucesso do filme, o bandido se salvará (da mesma forma que o herói, por milagre), para voltar a assombrar a vida de Gotahm City, mas a engordar, igualmente, os bolsos de Hollywood.
Não é de se esperar - Deus nos livre! - de que o homem morto no Paquistão volte em carne e osso para assombrar os americanos e, por tabela, a tê-los em prontidão, de novo, para bombardearem cidades e países - já que a lógica é essa: desde que o bandido esteja escondido em algum lugar - na suposição de que esse lugar seja uma aldeia ou uma cidade - que desapareçam as aldeias e as cidades. Nada impedirá que, em nome da justiça norte-americana, o xerife ponha abaixo o celeiro ou o próprio edifício, suposto QG do inimigo público número um. Já vimos esse filme antes: ele começou nas telas, mas estendeu-se ao Vietnã, ao Afeganistão, ao Iraque, sempre sob a explosão real, a ceifar vidas, famílias e, eventualmente, até terroristas.
A tragicidade da música de Gustav Mahler, que morreu em 1911, talvez fosse a expressão de seu mundo. Um intelectual brasileiro, há alguns anos, alertava que a chamada "Belle Époque" só foi bela para as classes dirigentes, engalanadas nos salões de Viena e Paris, a dançar as valsas de Strauss e Offenbach (belíssimas, sem dúvida). Mas a época, para a esmagadora maioria das populações não só da Europa, foi uma das mais funestas,
principalmente para as massas de operários - que se contavam entre crianças de ambos os sexos, adultos idem; e que constituíam o grosso massivo da população nos alvores da industrialização européia.
Mahler, freqüentador do "grand monde" de seu tempo, com a sua sensibilidade de artista genial, teria refletido a realidade da "Belle Époque", não só nos meios aristocráticos, onde tudo era, como no título da valsa de Johann Strauss, "Vinho Mulher e Canto", mas também na tragédia das massas exploradas, com o único direito de morrer de fome e de doença nas minas de carvão, nas indústrias têxteis, e nas siderúrgicas ainda incipientes. No mais, Mahler teria antevisto o morticínio da Primeira Guerra (19 milhões de mortos). Dizer que a história imitou Mahler não parece, no fundo, um exagero.
O que congestiona a nossa desconfiança medrosa, pode não ser, portanto, as repetições reais dos filmes de guerra ao terror, que vêm por aí. Já as temos em demasia nos raros documentários que nos chegam sobre os conflitos em que o presidente Obama, Prêmio Nobel da Paz (?), parece continuar irremediavelmente atolado. O que atemoriza, com um medo real, é que os filmes e os livros sobre o "Big Brother" que tudo vê e tudo sabe, estejam mais uma vez a nos esconder a realidade- aquela que imita a arte principalmente nessas instalações das bienais: ao entrarmos nos recintos sufocantes, vê-mo-nos ameaçados por alguma coisa que não está dita, um ar rarefeito, que nos arrepia e que se torna tão mais assustador pela invisibilidade sempre presente - um fantasma que é a única coisa que sabemos existir pelo entredito na sombra fugidia, nunca explicitado, apenas uma premonição.
É que há uma dúvida insidiosa na morte de Bin Laden; cremos nela tanto quanto sabemos haver sempre a desconfiança de que não basta o atestado de óbito no final do filme - a garantir que o monstro morreu no petardo detonado que pôs abaixo todo um quarteirão. O caso se torna resolutamente assustador na possibilidade de que "há boi na linha", como dizia a musiquinha antiga, não apenas pelo que se configura um assassinato puro e simples, como só determinados filmes de Hollywood nos compensam de mostrar (já que passamos a odiar até onde isso possa se conceber a figura do vilão). Não parece politicamente correto que Eliot Ness, mate o assassino de seu amigo num ato compreensível de vingança pelo desprezo que o bandido manifesta por seus próprios atos vis. Na contramão de que o policial incorruptível lhe repita a velha fórmula "você tem o direito de ficar calado, etc. etc" - o assassino zomba da lei. Portanto, nós até achamos pouco que ele o assassine, deliberadamente.
Como se fez com o terrorista Bin Laden, que concebeu o assassínio de milhares de pessoas. As forças especiais que mataram Bin Laden sob a assistência coonestadora das mais altas autoridades americanas, sabiam que o mesmo sentimento do espectador do filme sobre o policial intocável - Eliot Ness - seria perfeitamente partilhado pelo mundo real que lhe interessa - inclusive pela Suprema Corte americana. No fim das contas, bem antes, como no "Dirty Harry", de Clint Eastwood, ela acedeu que, em nome da segurança nacional, se torturassem; e que se continuem a torturar os presos de Guantánamo.
Um advogado chegado em anos - evidentemente não entrevistado pela grande mídia - observava do alto de seu justicialismo, logo após o anúncio da morte de Bin Laden, que ninguém viu até agora o "corpo de delito", ou antes, o cadáver "amaldiçoado" do terrorista. Como se sabe, o presidente dos EUA, proibiu a divulgação da foto do homem (não teria olhos? pouparam-lhe os órgãos sexuais?). A suposição, mais que impositiva, de que qualquer assassinato, para o bem e para o mal, impõe como prova de que apareça o cadáver, desta vez não se cumpriu. E aí sobrevém o medo de nós outros, os espectadores dos filmes e os protagonistas da história: e se Bin Laden não morreu? Como nas fitas de terror, o serial killer pode não ser o corpo encontrado nos escombros da explosão final, pouco antes do fim do filme. Logo, por nossa experiência cinematográfica, já antevemos que ele poderá reaparecer para esquartejar outras vítimas no "Estripador 2, 3, 4", e assim por diante. Se a história imita a arte - será demais perguntar o que realmente houve nesse caso nebulosíssimo, em que os ingredientes dos filmes de mistério - e de terror - são até primários, para não dizer, ridículos? "Nós os jogamos no mar com todo o respeito aos estritos rituais islâmicos". É isso?
A hipótese de que seja menos história e mais ficção - impõe o temor suplementar de que, a não ser verdadeira a tal versão, estamos ameaçados de sermos vítimas, mais uma vez, de uma invenção (como aquela das "armas de destruição em massa", de Sadam Hussein). Só que, agora, a ser comandada por personagens reais - homens e mulheres que detêm o poder não sobre a vida ou a morte - mas sobre a ficção a ser aceita compulsoriamente. Sem que possamos dizer de que não se trata de um filme.
Há situações em certas fitas policiais em que, logo às primeiras tomadas, já sabemos que o assassino é o mordomo. A menos que os ingredientes de ficção não se confirmem, talvez haja que se recuperar o cadáver do fundo do mar - Santo Deus! Quem sabe até relevemos que se cometam execuções ao revés de todo o estado de direito de que os EUA se dizem campeões. A hipótese contrária não parecer ser a de que pipoquem histórias como as que invadiram as livrarias depois da Segunda Guerra em que alguém afirmava que "Hitler não morreu" (quem sabe seria aquele estrangeiro caladão que mora ao lado). Mas que, uma vez mais, o mundo seja feito de bobo, como já aconteceu. E que isso configure o pior; que a realidade imite, daqui por diante, a mentira. E não apenas a arte.
É, por ora, uma hipótese. Mas a realidade parece sempre se tornar arte por hipótese, dentro das possibilidades do imaginário coletivo. Aos pintores impressionistas, dá-se-lhes o crédito de terem antecipado a velocidade do mundo moderno, ao criarem uma pintura difusa, esvoaçante como a imagem que captamos de dentro de um automóvel em alta velocidade. Eles teriam antevisto a fugacidade de um universo em transformação. É essa a dimensão também musical da pintura que nasceu no século XIX: Monet, Pissarro e Sisley pintaram o tempo. Em relação ao cinema americano, a coisa parece ser bem mais complexa: há a imitação do cinema catastrofista na cena assustadora dos aviões a explodirem as torres gêmeas. O temível é que já a tínhamos devidamente antecipada naquelas fitas em que tudo explode - do mundo à casa em que só restou o facínora. E que, a depender do sucesso do filme, o bandido se salvará (da mesma forma que o herói, por milagre), para voltar a assombrar a vida de Gotahm City, mas a engordar, igualmente, os bolsos de Hollywood.
Não é de se esperar - Deus nos livre! - de que o homem morto no Paquistão volte em carne e osso para assombrar os americanos e, por tabela, a tê-los em prontidão, de novo, para bombardearem cidades e países - já que a lógica é essa: desde que o bandido esteja escondido em algum lugar - na suposição de que esse lugar seja uma aldeia ou uma cidade - que desapareçam as aldeias e as cidades. Nada impedirá que, em nome da justiça norte-americana, o xerife ponha abaixo o celeiro ou o próprio edifício, suposto QG do inimigo público número um. Já vimos esse filme antes: ele começou nas telas, mas estendeu-se ao Vietnã, ao Afeganistão, ao Iraque, sempre sob a explosão real, a ceifar vidas, famílias e, eventualmente, até terroristas.
A tragicidade da música de Gustav Mahler, que morreu em 1911, talvez fosse a expressão de seu mundo. Um intelectual brasileiro, há alguns anos, alertava que a chamada "Belle Époque" só foi bela para as classes dirigentes, engalanadas nos salões de Viena e Paris, a dançar as valsas de Strauss e Offenbach (belíssimas, sem dúvida). Mas a época, para a esmagadora maioria das populações não só da Europa, foi uma das mais funestas,
principalmente para as massas de operários - que se contavam entre crianças de ambos os sexos, adultos idem; e que constituíam o grosso massivo da população nos alvores da industrialização européia.
Mahler, freqüentador do "grand monde" de seu tempo, com a sua sensibilidade de artista genial, teria refletido a realidade da "Belle Époque", não só nos meios aristocráticos, onde tudo era, como no título da valsa de Johann Strauss, "Vinho Mulher e Canto", mas também na tragédia das massas exploradas, com o único direito de morrer de fome e de doença nas minas de carvão, nas indústrias têxteis, e nas siderúrgicas ainda incipientes. No mais, Mahler teria antevisto o morticínio da Primeira Guerra (19 milhões de mortos). Dizer que a história imitou Mahler não parece, no fundo, um exagero.
O que congestiona a nossa desconfiança medrosa, pode não ser, portanto, as repetições reais dos filmes de guerra ao terror, que vêm por aí. Já as temos em demasia nos raros documentários que nos chegam sobre os conflitos em que o presidente Obama, Prêmio Nobel da Paz (?), parece continuar irremediavelmente atolado. O que atemoriza, com um medo real, é que os filmes e os livros sobre o "Big Brother" que tudo vê e tudo sabe, estejam mais uma vez a nos esconder a realidade- aquela que imita a arte principalmente nessas instalações das bienais: ao entrarmos nos recintos sufocantes, vê-mo-nos ameaçados por alguma coisa que não está dita, um ar rarefeito, que nos arrepia e que se torna tão mais assustador pela invisibilidade sempre presente - um fantasma que é a única coisa que sabemos existir pelo entredito na sombra fugidia, nunca explicitado, apenas uma premonição.
É que há uma dúvida insidiosa na morte de Bin Laden; cremos nela tanto quanto sabemos haver sempre a desconfiança de que não basta o atestado de óbito no final do filme - a garantir que o monstro morreu no petardo detonado que pôs abaixo todo um quarteirão. O caso se torna resolutamente assustador na possibilidade de que "há boi na linha", como dizia a musiquinha antiga, não apenas pelo que se configura um assassinato puro e simples, como só determinados filmes de Hollywood nos compensam de mostrar (já que passamos a odiar até onde isso possa se conceber a figura do vilão). Não parece politicamente correto que Eliot Ness, mate o assassino de seu amigo num ato compreensível de vingança pelo desprezo que o bandido manifesta por seus próprios atos vis. Na contramão de que o policial incorruptível lhe repita a velha fórmula "você tem o direito de ficar calado, etc. etc" - o assassino zomba da lei. Portanto, nós até achamos pouco que ele o assassine, deliberadamente.
Como se fez com o terrorista Bin Laden, que concebeu o assassínio de milhares de pessoas. As forças especiais que mataram Bin Laden sob a assistência coonestadora das mais altas autoridades americanas, sabiam que o mesmo sentimento do espectador do filme sobre o policial intocável - Eliot Ness - seria perfeitamente partilhado pelo mundo real que lhe interessa - inclusive pela Suprema Corte americana. No fim das contas, bem antes, como no "Dirty Harry", de Clint Eastwood, ela acedeu que, em nome da segurança nacional, se torturassem; e que se continuem a torturar os presos de Guantánamo.
Um advogado chegado em anos - evidentemente não entrevistado pela grande mídia - observava do alto de seu justicialismo, logo após o anúncio da morte de Bin Laden, que ninguém viu até agora o "corpo de delito", ou antes, o cadáver "amaldiçoado" do terrorista. Como se sabe, o presidente dos EUA, proibiu a divulgação da foto do homem (não teria olhos? pouparam-lhe os órgãos sexuais?). A suposição, mais que impositiva, de que qualquer assassinato, para o bem e para o mal, impõe como prova de que apareça o cadáver, desta vez não se cumpriu. E aí sobrevém o medo de nós outros, os espectadores dos filmes e os protagonistas da história: e se Bin Laden não morreu? Como nas fitas de terror, o serial killer pode não ser o corpo encontrado nos escombros da explosão final, pouco antes do fim do filme. Logo, por nossa experiência cinematográfica, já antevemos que ele poderá reaparecer para esquartejar outras vítimas no "Estripador 2, 3, 4", e assim por diante. Se a história imita a arte - será demais perguntar o que realmente houve nesse caso nebulosíssimo, em que os ingredientes dos filmes de mistério - e de terror - são até primários, para não dizer, ridículos? "Nós os jogamos no mar com todo o respeito aos estritos rituais islâmicos". É isso?
A hipótese de que seja menos história e mais ficção - impõe o temor suplementar de que, a não ser verdadeira a tal versão, estamos ameaçados de sermos vítimas, mais uma vez, de uma invenção (como aquela das "armas de destruição em massa", de Sadam Hussein). Só que, agora, a ser comandada por personagens reais - homens e mulheres que detêm o poder não sobre a vida ou a morte - mas sobre a ficção a ser aceita compulsoriamente. Sem que possamos dizer de que não se trata de um filme.
Há situações em certas fitas policiais em que, logo às primeiras tomadas, já sabemos que o assassino é o mordomo. A menos que os ingredientes de ficção não se confirmem, talvez haja que se recuperar o cadáver do fundo do mar - Santo Deus! Quem sabe até relevemos que se cometam execuções ao revés de todo o estado de direito de que os EUA se dizem campeões. A hipótese contrária não parecer ser a de que pipoquem histórias como as que invadiram as livrarias depois da Segunda Guerra em que alguém afirmava que "Hitler não morreu" (quem sabe seria aquele estrangeiro caladão que mora ao lado). Mas que, uma vez mais, o mundo seja feito de bobo, como já aconteceu. E que isso configure o pior; que a realidade imite, daqui por diante, a mentira. E não apenas a arte.
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