Continuamos o país dos jeitinhos. A mais recente Assembléia Nacional Constituinte instalou-se em 1987 e decorrido um ano e meio inexistiam sinais de estar próxima a promulgação do texto final. Muito tempo se perdeu com os trabalhos das Comissões Temáticas que produziam seus projetos sem olhar para o lado, quer dizer, uma não sabia o que a outra fazia, resultando não raro em capítulos redundantes, senão conflitantes, até que por decisão do relator, Bernardo Cabral, criou-se a Comissão de Sistematização, encarregada de compatibilizar as variadas contribuições.
Mesmo assim, o processo andava a passos de tartaruga, ou em muito aspectos nem andava, dada a divisão dos constituintes em dois grupos.
De um lado os que se intitulavam o Centro Democrático, apelidado de “centrão”, na verdade os conservadores, para não dizer os reacionários, infensos a qualquer tipo de reformas, precursores do chamado neoliberalismo.
No reverso da medalha pontificavam os ditos “progressistas”, em grande parte ingênuos imaginando mudar o Brasil através de folhas de papel, iludidos de que bastava escrever milagres sociais e políticos para eles tornarem-se realidade.
O resultado foi o impasse, pois nenhum dos lados dispunha de maioria para fazer prevalecer seus pontos de vista. O tempo ia passando e mais de cem princípios maiores permaneciam indefinidos e sem solução, como em matéria de reformas sociais, econômicas, monopólios, propriedade estatal e atribuições do poder público.
Como estamos no Brasil, quem deu a solução foi o dr. Ulysses, presidente da Assembléia, mesmo invertendo a mais lógica das regras do Direito Constitucional. Porque desde que surgiram as Constituições estabeleceu-se deverem elas conter as definições fundamentais, as mais importantes. A lei ordinária se encarregaria de detalhar o que a lei maior dispunha. Por conta do confronto, o saudoso mestre determinou que ficariam para a lei ordinária os princípios onde inexistia consenso, quer dizer, a Constituição foi promulgada com vazios monumentais. Caso contrário estaríamos até hoje sem Constituição.
Um desses vazios, até hoje à vista de todos, reside no artigo 220, da Comunicação Social. Num de seus parágrafos lê-se que “compete à lei federal (...) estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e de televisão que contrariem o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.”
Pois bem. Passados 23 anos da promulgação da Constituição, onde estão esses meios legais? Em que caverna se esconde a garantia da defesa contra o lixo que flui cada dia mais intensamente das telinhas e microfones do país?
Nenhum partido, nenhuma bancada, nenhum parlamentar dispôs-se até hoje de encontrar mecanismos para nos defender. Nenhum governo, já que também cabe aos governos a iniciativa de projetos de lei.
Seria simples, caso não faltasse coragem. Nada de censura, pois em diversos artigos a Constituição a proíbe. De jeito nenhum estabelecer restrições à liberdade. Mas por que não dispor penalidades a posteriori, quer dizer, depois da divulgação de baixarias, de incentivos ao crime e ao tóxico, de pornografia explícita e de tanta coisa a mais, seria simples a lei determinar admoestações públicas, multas, suspensão de concessões e até cassação das próprias.
Por que até hoje nada se fez? Porque tanto os governos quanto deputados e senadores temem desagradar os barões televisivos. Morrem de medo se, como represália, sofrerem campanhas por parte dos meios de comunicação. Ou, mesmo, se forem banidos do noticiário, ante-sala do fim de suas carreiras políticas. Tanto pior para a pessoa e para a família...
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