quinta-feira, 23 de junho de 2011

Uma perfeita tormenta de estupidez.
Aqui reside o verdadeiro escândalo: por que os meteorologistas da televisão não acompanham cada notícia acerca de “condições climáticas extremas” com as palavras “mudança climática”. Necessitamos de um Paul Revere do nosso tempo, que advirta à população sobre esta iminente ameaça.
Amy Goodman, Tradução: Katarina Peixoto 
Estes versos foram escritos por Henry Wadsworth Longfellow, em seu poema “Flocos de Neve”, publicado em 1863 junto a seu célebre poema épico “A cavalgada de Paul Revere”. Grande parte do fuxico informativo da última semana se concentrou no infeliz comentário de Sarah Palin acerca da história da famosa cavalgada de Revere em abril de 1775. Revere estava em uma missão clandestina à meia-noite para alertar os revolucionários estadunidenses sobre um iminente ataque britânico. A versão incorreta de Palin indica que Revere, montado a cavalo, fez soar um sino e disparou uma arma como advertência para que os britânicos se retirassem.
Também é lamentável que os meios de comunicação tenham gastado horas falando de uma série de indiscrições sexuais na internet do congressista de Nova York, Anthony Weiner. Para aumentar o sensacionalismo – e entre comerciais das indústrias de petróleo, gás, carvão e energia nuclear -, se viu uma notícia atrás da outra sobre eventos climáticos extremos. Aqui reside o verdadeiro escândalo: por que os meteorologistas da televisão
não acompanham cada notícia acerca de “condições climáticas extremas” com as palavras “mudança climática”. Necessitamos de um Paul Revere do nosso tempo, ecologista, que advirta à população sobre esta iminente ameaça.
Quem melhor para cumprir essa função que Bill McKibben, que tem falado e escrito sobre a mudança climática e impulsionou uma organização em nível mundial para enfrentar esse problema há mais de duas décadas. Perguntei a ele recentemente acerca da vinculação entre as condições climáticas extremas e a mudança climática:
“O que ocorre é que estamos fazendo da Terra um lugar mais dinâmico e violento. Quando falamos de aquecimento global estamos falando essencialmente disso. Temos retido mais energia solar dentro desta delgada capa atmosférica, e isso agora está se manifestando de diferentes maneiras. Não temos a certeza de que certo tornado em particular tenha sido provocado pela mudança climática. Sempre existiram tornados. Mas sabemos, sim, que somos testemunhas de grandes níveis de atividade de tormentas elétricas, inundações, secas, de todas essas coisas sobre as quais os climatólogos vêm nos advertindo’.
McKibben, fundador de 350.org, uma organização que reúne ativistas para enfrentar a crise climática, critica a cobertura feita pelos meios de comunicação sobre os desastres climáticos: “Você viu as fotos de Queensland na Austrália porque em Queensland, Austrália, há muita população branca e câmeras de televisão. Mas não se viram fotos similares do Sri Lanka, do Vietnã, das Filipinas, do noroeste do Rio de Janeiro, no Brasil, e tampouco da Colômbia, lugares que sofreram grandes inundações similares a da Austrália.
Quando McKibben fala da Terra como “um lugar mais dinâmico e violento” está se referindo ao clima. Mas a mudança climática poderia provocar cada vez mais violência política real. Na semana passada, foi realizada em Oslo a Conferência Nansen sobre Mudança Climática e Deslocamento, na qual especialistas de diferentes países se reuniram para trabalhar sobre o crescente problema dos refugiados climáticos. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, Antonio Guterres, advertiu para duas ameaças: os desastres de evolução lenta, como as secas e a desertificação, que chegam a “um ponto de inflexão no qual a vida e o sustento das pessoas se encontram seriamente ameaçados a ponto de não terem outra opção que abandonar seus lares”, e “os desastres naturais que arrancam de seus lares grandes quantidades de pessoas em questão de horas”.
Uma das principais preocupações é que se negará um refúgio seguro para esses milhões, ou talvez bilhões, que são ou serão deslocadas de suas casas. Como Naomi Klein, uma verdadeira Paula Revere, advertiu recentemente: “A mudança climática é a maior crise de todas, e meu temor é que, se não formos cuidadosos, se não adotarmos uma visão positiva sobre como a mudança climática pode fazer com que nossas economias e nosso mundo sejam mais justos, mais habitável, limpo e equitativo, então essa crise será explorada para militarizar nossas sociedades, para criar continentes fortificados”.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados advertiu também que a maioria dos refugiados climáticos será deslocada em seus próprios países. Basta ir ao Paquistão para ver isso. Há pouco, nos Estados Unidos, as pessoas se viram obrigadas a fugir de tornados no oeste de Massachusetts, de inundações em Iowa e Colorado, e de incêndios florestais no Arizona. Em Washington D.C. e no Texas, os níveis históricos de calor estão ameaçando a vida das pessoas, mesmo que ainda não tenhamos chegado aos meses mais quentes do verão.
Não muito longe de Oslo, em Bonn, Alemanha, mais de 3 mil delegados de 180 países se reuniram para definir um plano de trabalho para a Conferência sobre a Mudança Climática, da ONU, que será realizada em Durban, África do Sul, em dezembro. No discurso que pronunciou no encontro, Tove Ryding, do Greenpeace, disse: “Do que estamos falando aqui é, de fato, de milhões de postos de trabalho ecológicos, de transformar nossas sociedades em sistemas de energia seguros, estáveis e baseados em energia renovável e eficiência energética”.
Essa iniciativa, deixar de depender dos combustíveis fósseis e da energia nuclear para voltar-se á energia renovável, está sendo apoiada por um número de países cada vez maior, especialmente depois do desastre de Fukushima. O Japão acaba de confirmar a fusão dos núcleos de três dos reatores nucleares de Fukushima.
A Suíça e a Alemanha anunciaram que eliminarão progressivamente a energia nuclear. China, Alemanha e Japão, três das cinco economias mais importantes do mundo, estão adiantando-se e investindo na pesquisa e utilização de fontes de energia renováveis. O irrisório financiamento do governo de Obama para pesquisa em energia renovável é obscurecido pelas dezenas de bilhões de dólares em subsídios às indústrias do petróleo, do carvão e da energia nuclear.
O clima mundial está mudando, e os seres humanos são a principal causa. Nós, nos Estados Unidos, o maior contaminador histórico do mundo, levaremos a sério as advertências de nossos Reveres ambientais, ou o céu alvoraçado, como escreveu Longellow, revelará cada vez mais a dor que sente?
Amy Goodman é apresentadora de "Democracy Now!" um noticiário internacional diário, nos EUA, de uma hora de duração que emite para mais de 550 emissoras de rádio e televisão em inglês e em 200 emissoras em Espanhol. Em 2008 foi distinguida com o "Right Livelihood Award" também conhecido como o "Premio Nobel Alternativo", outorgado no Parlamento Sueco em Dezembro.


“O céu alvoroçado revela a dor que sente”.

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