Por Carlos Chagas.
Para Marx e Lênin, a História só se repetia como farsa. Muita gente discorda. Às vezes as coisas se passam iguaizinhas, mesmo separadas por décadas, séculos e até milênios.
Em 1945 disputaram a presidência da República o brigadeiro Eduardo Gomes e o marechal Eurico Dutra. O aviador era o preferido das elites e da classe média, campeão de comícios nas grandes cidades. O soldado, além de feio, falava mal e carecia de apoio urbano, ainda que 80% da população morasse no interior. Diversos fatores deram a vitória a Dutra, mas um deles serviu como golpe de graça na eleição: num de seus discursos, o brigadeiro bateu firme nos órfãos da ditadura de Getúlio Vargas, afirmando rejeitar o voto dos “marmiteiros”. Referia-se a quantos haviam crescido politicamente e até enriquecido durante o Estado Novo. Só que um hábil getulista, Hugo Borghi, aproveitou-se daquela frase para espalhar pelo país inteiro que Eduardo Gomes repudiava o apoio de quantos trabalhadores comiam de marmita, saindo de casa cedo e levando o almoço para a fábrica ou para o campo.
Pois é. Dilma Rousseff, ao abordar seu passado de guerrilheira urbana, adepta da luta armada contra a ditadura militar, saiu-se com afirmação capaz de prestar-se a igual confusão. Disse não ser possível “dialogar com o pau-de-arara”. Deixou clara a impossibilidade de entendimento entre torturadores e torturados. Quando jovem, ela também sofreu os horrores dessa hedionda forma de obtenção de confissões.
O problema é se alguém do lado de José Serra distorcer o raciocínio e sair por aí alardeando que a adversária não quer conversa com os “paus-de-arara”, nordestinos durante muitas décadas viajando para o Sul na carroceria de caminhões, amontoados como gado. Até o presidente Lula, então um menino, chegou assim a São Paulo, com a mãe e os irmãos.
Hoje, dificilmente a distorção pegaria, tendo os meios de comunicação e de transporte evoluído de tal forma que a mentira seria desmascarada em questão de minutos, pela televisão, além de os nordestinos que demandam o sul-maravilha utilizarem ônibus e não mais caminhões. Mesmo assim, seria bom a candidata não dar bandeira e lembrar-se de que a História, como farsa, pode repetir-se. Os paus-de-arara, tanto quanto os marmiteiros, agradecem.
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