quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O PADRÃO OLGA CURADO

Carta Capital, edição impressa.

Desde que o Brasil voltou a eleger presidentes, em 1989, fala-se dos “magos” da propaganda política. Agora, a disputa que pode eleger a primeira presidente também poderá ser a primeira vez a se falar de uma “maga”. Se Dilma Rousseff for eleita, uma figura dos bastidores da campanha petista, a jornalista goiana Olga Curado, ganhará os holofotes. A menos de dois meses da eleição, a especialista em media training tem diante de si a tarefa de transformar a ex-ministra, estreante em eleições, numa estrela televisiva. Ou ao menos impedi-la de tropeçar no script.
Nada de frases longas, nada de tecnicismos, nenhum destempero. Dilma não pode errar na tevê. Depende de seu desempenho na telinha a manutenção, no mínimo, e até a ampliação, da vantagem que tem em relação a José Serra, do PSDB. Desse desempenho, há quem diga, dependerá a duração da campanha: se em um ou dois turnos.
Na primeira prova, Olga falhou: uma Dilma Rousseff nervosíssima apareceu no primeiro debate entre os presidenciá-veis, exibido pela TV Bandeirantes na quinta-feira 5. Mas acertou na segunda: a candidata apareceu tranquila na bancada do Jornal Nacional na terça-feira 10 e soube safar-se bem das investidas do apresentador William Bonner.
Bonner, que ganhou na internet o apelido de Pit Bonner por sua atuação com as mulheres candidatas, Dilma e Marina Silva, do PV, não se comportaria assim na última da série de entrevistas de 10 minutos promovida pelo JN com os candidatos à Presidência. Ao contrário das senhoras, que tiveram de interromper Bonner para falar, a entrevista com Serra foi marcada por gentilezas, “me perdoe, candidato” para lá, “boa pergunta” para cá, o que estimulou muitas piadas no Twitter.
Talvez o apresentador global precise agendar um workshop com Olga Curado, porque o que ela está
fazendo com Dilma é justamente ensiná-la a não perder as estribeiras. Jornalista formada pela UFG, oriunda de tradicional família goiana, Curado foi diretora da Globo durante 14 anos. Foi ela quem implantou o tal “padrão Globo de qualidade”- nas 96 emissoras afiliadas País afora. Saiu de lá em 2000 para montar sua consultoria, a Curado e Associados, com sede em São Paulo, descrita em seu site como uma empresa que atua na “construção de imagem”.
Às voltas com a campanha da petista, a jornalista não quer dar entrevistas. E, obviamente, os políticos que se submeteram à sua assessoria – e aos honorários de 8 mil reais por hora – tampouco gostam de reconhecer que precisaram de sua ajuda. Sabe-se que foram clientes dela os ex-ministros Márcio Thomaz Bastos, José Dirceu e Luiz Gushiken, o ex-governador do Maranhão Jackson Lago, empresas como a TAM e inúmeros advogados. O próprio Lula recorreu a Curado para enfrentar o candidato Geraldo Alck-min no último debate da TV Globo durante o segundo turno de 2006.
“O que posso dizer é que o media training da Olga tem salvado a reputação de pessoas importantes na República”, afirma o jornalista Etevaldo Dias, que foi secretário de imprensa de Fernando Collor no estertor dos últimos 55 dias de governo e hoje atua num lucrativo ramo dos bastidores da política brasileira, o da “gestão de crises”. Uma das especialidades de Olga, parceira da empresa de Dias, a Santa Fé Ideias, em vários trabalhos, é preparar envolvidos em “crises” (leia-se denúncias e escândalos) a enfrentar esses momentos. Como responder aos jornalistas, como se manter frio e, claro, como aparecer da forma menos danosa possível na tevê.
Dias, “fã” confesso, diz que a diferença de Olga para outros media training do mercado, em geral jornalistas de carreira sólida, está no método que desenvolveu. Mix de gestal terapia, aikidô, ioga e estudo das emoções faciais, ninguém sabe definir exatamente o workshop de Curado. Do aikidô, diz-se que ela ensina como utilizar a força do oponente em seu favor. Da ioga, as posturas de animais, para “soltar os bichos”, liberando o nervosismo. Mas há exercícios bem mais diretos e objetivos.
Quando o senador Gim Argello, do PTB do Distrito Federal, passou pelo aperto de quase ser submetido a um processo de cassação ao assumir o cargo após Joaquim Roriz ter renunciado, Olga Curado foi convocada. A especialista, que tem sua própria equipe de tevê, espocou de surpresa o sungun (o chamado pau-de-luz) na cara de Argello, simulando repórteres, assediando-o com perguntas constrangedoras à saída de algum lugar público. O senador novato levou um susto. Num momento assim, ensinou a consultora, é preciso primeiro enfrentar a barreira de microfones de cabeça erguida. Falar, se quiser, mas primeiro atravessar o exército de jornalistas aparentando dignidade.
Um dos mandamentos de Olga é: seja transparente com os repórteres – ainda que dê a informação incompleta. Isso inclui treinar no espelho para não se deixar trair pelos movimentos da face. A coach- de Dilma estuda os métodos do psicólogo norte-americano Paul Ekman, em quem se baseou o sitcom Lie to Me (no Brasil, transmitido às terças às 22 horas pelo canal a cabo Fox). No seriado, o ator Tim Roth interpreta o cientista Cal Lightman, inspirado em Ekman, um sujeito capaz de dizer se a pessoa fala a verdade baseado apenas na maneira como se comporta quando fala. Se coça o nariz, pisca ou engole em seco, por exemplo. Um detector de mentiras humano.
Curado aplica as descobertas de Ekman nos políticos que a procuram. “Não mexa a boca de tal jeito”, “observe que sua cabeça se moveu para o lado -enquanto falava”, um tipo de disciplina capaz de fazer o indivíduo parecer confiável e sereno mesmo na adversidade. “Ela é muito franca. Diz para a pessoa o que está fazendo de errado na cara, sem rodeios. Grava tudo e depois mostra ao cliente: olha onde você errou”, conta um colega de media training.
Com Dilma Rousseff, o mais importante para Curado será fazê-la jamais perder a calma na televisão, sobretudo nos debates. Se a petista passar a agir como se tivesse nascido diante das câmeras será um ganho. Curiosamente, a Olga Curado chefe da Globo tem uma fama parecida com a da ex-ministra: é tida como durona e de pavio curto, capaz de dar broncas terríveis nos subordinados. Durante o período em que foi chefe da emissora, chegou a precisar de intervenção da sede para contê-la. Exigente, Olga virava uma fera quando a equipe de reportagem voltava da rua com um resultado que não considerava satisfatório.
“Olga era uma mulher de explosão. Talvez tenha aprendido a domar a si mesma. Deve ver na Dilma um espelho, saberá lidar com ela”, opina um antigo colega de faculdade. A carreira na Globo teve uma ruptura em 1994, quando a futura consultora, aparentemente decepcionada com o padrão global, inseriu no livro de poemas Passa pra Dentro, Menina (Masao Ohno), de sua autoria, os seguintes versos: Não quero a máscara da eficiência/ o padrão de competência./ Não quero ser refém platinada/ ou viúva do crachá. Quero juntar meus pedacinhos espalhados por aí. E ser feliz. Mas só deixaria a emissora dos Marinho definitivamente seis anos depois.
Como a ex-ministra, a consultora também é separada e tem uma filha, hoje com 22 anos. Tornou-se, com o tempo, uma pessoa mais fechada do que na juventude, quando é lembrada como menina namoradeira e de risada fácil, sempre de cabelos curtos, como ainda usa. Os amigos de então são unânimes em dizer que, depois que deixou o jornalismo para se tornar consultora, se afastou deles. Aos 56 anos, veste-se de maneira sóbria, mais magra do que antes. “Ela era atraente, boas curvas, usava uns jeans apertadíssimos”, confidencia um ex-colega da sucursal do Jornal do Brasil na capital, onde Olga começou a carreira.
Era uma “foca” bastante competitiva e que rapidamente se destacou no JB em Brasília. “E olha que era uma época, 1977, ainda na ditadura, em que a gente dependia das fontes para conseguir notícia. Era preciso cultivá-las e isso era mais tarefa dos homens, aquela coisa de chamar para tomar um ‘uisquinho’. A profissão de jornalista ainda era muito masculina. Éramos duas jovens num reino de homens maduros”, conta Clara Favilla, assessora do Sebrae em Brasília, que começou como estagiária no JB no mesmo dia em que chegou Olga Curado. “Era uma menina legal, aberta, com um sorriso grande. Já sabia o que queria na profissão, e escolheu logo a política.”
Uma colega do jornal conta que o episódio que marcou a passagem de Curado pela sucursal brasiliense foi a disputa que, ainda estagiária, travou com o chefe por causa de uma entrevista com o ex-czar da economia Delfim Netto nos governos dos ditadores Costa e Silva e Médici: agora ele -ocuparia a pasta da Agricultura de João Figueiredo. Ambos foram entrevistar Delfim. O superior pediu-lhe para dar o toque final na reportagem.
Olga virou o texto de ponta-cabeça e priorizou a fala que lhe pareceu mais importante, a famosa promessa de Delfim de “encher a panela do povo”. O material do chefe ficou em segundo plano e a frase que ela escolheu virou manchete do jornal. Curado trabalharia ainda nos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo, como repórter especial e correspondente internacional, antes de aterrissar na TV Globo. Chegaria ao entorno de Lula pelas mãos do marqueteiro João Santana, outro ex-jornalista contemporâneo de JB.
Com os comícios em baixa e os meios eletrônicos em alta nesta eleição, tudo o que Dilma Rousseff precisa agora é adquirir cancha à frente das câmeras ao vivo e no trato com os jornalistas em geral, sem dúvida áreas que Olga Curado domina. A partir da terça-feira 17, com o começo do horário eleitoral, e principalmente nos próximos debates, os eleitores/telespectadores poderão conferir se de fato conseguiu imprimir à ex-ministra seu próprio padrão de qualidade.
Carta Capital, edição impressa

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