quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Á CRIANÇA, ALÉM DOS DISCURSOS POLÍTICOS

Siro Darlan, Jornal do Brasil
Os políticos se esmeram em seus discursos e compromissos na busca de seduzir os leitores para o gozo de mais um mandato eleitoral. Os jornais se revezam nas manchetes que mostram cada vez maior o fosso entre esses discursos e a realidade que atinge diariamente a parcela da população mais desvalida: crianças e adolescentes.
Apesar de gozarem de prioridade absoluta na elaboração e execução de políticas públicas no texto constitucional, quase nunca são contempladas nos orçamentos públicos pelos administradores que têm o dever de garantir proteção integral aos cidadãos infanto-juvenis.
Enquanto a catilinária se repete a cada quatro anos, estão fora da escola pelo menos 72 milhões de crianças em idade para cursar as séries do ensino fundamental. Estima-se que há 166 milhões de crianças trabalhadoras no planeta. Cerca de 221 milhões de crianças falam em casa uma língua diferente da ensinada na escola. A subnutrição afeta cerca de 175 milhões de crianças pequenas a cada ano (um terço de todas as crianças dos países em desenvolvimento), o que torna o tema como uma emergência de saúde e educação. Existem cerca de 759 milhões de jovens e adultos analfabetos (16% da população mundial).
No Brasil, a situação não é menos pior, já que, embora pentacampeão mundial de futebol, ficou em 54º lugar em matemática e na 49ª posição em leitura quando confrontado com outras nações, atrás de países latino americanos como Argentina, Chile, México e Uruguai.
Somente 18,1% das crianças de zero a 3 anos de idade são atendidas em creches. De cada 100 alunos que entram na primeira série, apenas 80 chegam à quinta série. E apenas 53,8% das que ingressam no ensino fundamental chegam a concluí-lo, sendo que para o Nordeste essa estimativa é de apenas 38,7%, contra 69,1% no Sudeste. Metade dos alunos do ensino fundamental (50,5%) estuda em escolas que não possuem biblioteca.
Entre 20% mais pobres na faixa de 15 a 17 anos, apenas 24,9% estão matriculados; enquanto entre 20% mais ricos 76,3% frequentam o ensino médio. Na educação infantil, a taxa de professores não habilitados em nível médio, mínimo exigido na Lei de Diretrizes e Bases, é de 14,4%. Nas primeiras séries do ensino fundamental, 47,3% dos professores não possuem habilitação em nível superior; e dos que lecionam nas últimas séries, o percentual é de 19,6%. No ensino médio, 11,7% não possuem habilitação.
O índice de analfabetismo entre pessoas com 15 anos ou mais é de 10% (13,9 milhões de pessoas); 69,4% são negros; 7,6 milhões estão no Nordeste.
Toda essa tragédia ocorre no Brasil, onde o investimento na criança e no adolescente é um traço nos orçamentos públicos, e no Rio de Janeiro o Ministério Público impede que os Conselhos de Direitos promovam o investimento dos recursos do Fundo para Infância e Adolescência em favor de políticas públicas que venham a mudar esse quadro de exclusão social pelo analfabetismo. Apenas uma empresa, a Petrobras, deixou de investir este ano no FIA R$ 8 milhões por força da pressão que exerce a Promotoria contra seus técnicos e servidores.
A atuação de algumas promotoras de justiça que, com o conhecimento da lei, já que são fiscais da mesma, e propuseram uma ação civil pública direcionada para juízo incompetente e lá obtiveram uma liminar, já cassada em segundo grau, que impediu o Conselho de Direitos do Rio de Janeiro de promover uma licitação pública para escolha dos projetos que melhor se adequem ao plano de ação e de aplicação aprovado pelos conselheiros de Direitos, foi lamentável e condenável diante desse quadro de abandono em que se encontram crianças e adolescentes.
Crianças que sofrem toda forma de negligência, exploração e violência são o que se vê diariamente no noticiário. Os recursos existem e podem ser direcionados para a solução de alguns desses problemas, e o sistema criado pelo legislador permite que o cidadão participe da deliberação e controle da aplicação desses recursos através da deliberação dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente como se faz em diversos estados da Federação.
Urge que o Judiciário se pronuncie decidindo logo esse impasse que permita a participação popular e democrática na deliberação da aplicação do orçamento do Fundo da Criança no segmento que, conforme reza a Constituição, goza de prioridade absoluta na aplicação de seus direitos fundamentais. E não pode ser vítima de nenhuma negligência, violência ou exploração.
No momento em que o país se prepara para sediar os maiores eventos esportivos do planeta é hora de destinar grandes investimentos na área da educação, a mais sensível para que haja respeito aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, e um programa de orientação e apoio para as famílias de crianças em situação de risco pessoal e social. Antes mesmo de torcermos pelos gols da Seleção nacional é preciso que todos unissonamente comemoremos um gol pela educação.

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