quinta-feira, 19 de agosto de 2010

É INÚTIL QUERER CALAR A IMPRENSA

Editorial, Jornal do Brasil
Quando se imagina que a globalização e a circulação da informação nas ondas da web transformarão o planeta num lugar melhor para se viver, somos surpreendidos com atos que nos remetem a tempos de trevas. Primeiro, no Oriente Médio, com o caso esdrúxulo de uma mulher que seria apedrejada por adultério. Agora, a censura pesada à imprensa na Venezuela do aventureiro Hugo Chávez.
Ao ver a primeira página do jornal El Nacional, de Caracas, em sua edição de quarta-feira, foi quase impossível não nos remetermos ao auge da ditadura militar brasileira, quando os jornalistas viviam sob tacanha vigilância – entre outros que sofreram estavam os jornais O Estado de S. Paulo e este Jornal do Brasil.
A reportagem censurada mostrava mais ingredientes da propalada violência que toma conta da Venezuela – e que o ditador quer ver sob o tapete. Segundo várias pesquisas de opinião, a violência urbana é o problema que mais aflige a população local. A movimentação de Chávez no sentido de cobrir o sol com a peneira explica-se (mas não se justifica) com a proximidade das eleição legislativas no país.
Para se ter uma ideia da complexidade da questão, na semana passada, durante o mundial feminino de beisebol, em Caracas, uma bala perdida atingiu uma atleta de Hong Kong – que abandonou a competição e foi embora do país – na partida contra a Holanda. Uma interessante comparação mostra que o Rio de Janeiro, onde a violência também é presente, a média de homicídios é de 32 por 100 mil habitantes. Na Venezuela é mais do dobro: 70. Se restringirmos os números a Caracas, chegaremos a estratosféricos 200 mortos por 100 mil habitantes.
O mais incrível é que Hugo Chávez, figura que tem vários defeitos mas que não parece ter pouca inteligência, ache que pode calar a voz da imprensa – e, por tabela, das ruas – censurando esta ou aquela foto, esta ou aquela matéria. Outra coisa incrível é como esse castelo de cartas ainda consegue ludibriar tanta gente, que vai às urnas avalizar a violência.
A atitude foi de um primarismo atroz. Se não tivesse impedido a publicação da foto de vários cadáveres no necrotério municipal de Caracas, Chávez ainda poderia ter tirado proveito da situação, acusando a mídia de exagero, de agressão gratuita, de mau gosto – até porque, convenhamos, dificilmente algum editor optaria por publicar uma foto grotesca como a que deixou de sair, caso também não quisesse provocar. E ainda por cima não chamaria o mandatário venezuelano à atenção de todo o mundo.
Fazendo o que fez, Chávez não tem desculpa. Colocou suas impressões digitais numa atitude condenável. Foi ele o censor, é ele que só deixa circular o que quer. E é, portanto, nele que qualquer um que defenda a democracia e as liberdades individuais deve ficar muito de olho.

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