POR QUE CHICO BUARQUE PASSOU A DESPERTAR ÓDIO NA INTERNET? PORQUE TEM LADO.
Por Palmério Doria, do Agota d'água.
Tem dias que o medo vira pânico. Tem dias que a raiva vira ódio. Não dá para saber direito quando Chico Buarque começou a despertar o ódio que acaba de descobrir, estupefato, em mensagens e comentários na internet -- logo ele, que a esmagadora maioria imaginava uma quase unanimidade.
Tem dias que o medo vira pânico. Tem dias que a raiva vira ódio. Não dá para saber direito quando Chico Buarque começou a despertar o ódio que acaba de descobrir, estupefato, em mensagens e comentários na internet -- logo ele, que a esmagadora maioria imaginava uma quase unanimidade.
Pode ser desde o momento em que percebeu que tinha lado. Pode ser ao deixar de gravar coisas fofas como A Banda. Pode ser ao passar a gravar hinos nacionais como Roda Viva e Vai Passar. Mas também pode ser ao dar um golpe definitivo na onda de baixo astral que varria o país, dia 18 de outubro, uma noite de segunda-feira, quando o Rio voltou a ser a capital cultural do Brasil, em pleno segundo turno da campanha eleitoral.
Milhares de pessoas, boa parte artistas e intelectuais, lotam o teatro Casa Grande, no Leblon, em ato pró-Dilma, recebida aos gritos de “olê, olê, olê, olá! Dilma, Dilma!”, relembrando o jingle pró-Lula. O arquiteto Oscar Niemeyer, aos 102 anos, é ovacionado de pé ao chegar em cadeira de rodas. Discursa o teólogo Leonardo Boff – cassado pelo Vaticano –, principal formulador da Teologia da Libertação, que empolgou a América Latina nas décadas de 1970-80 ao defender o engajamento de religiosos em movimentos sociais. Boff, que, junto com o sociólogo Emir Sader, organizou o evento Brasil Sem Ódio, emociona:
“Hoje cedo, pedi em minhas orações: Pai, me dê um sinal claro da vitória de Dilma. E o faça através da presença de Oscar Niemeyer. Se ele for ao encontro, é a confirmação de que venceremos!
A massa vibra.
Ao mesmo tempo, ao vivo, na blogosfera, Veja Online vê outra coisa: “Dilma travestida de Lula por uma noite”, diz o título. Para Veja tudo o que se vê aqui é apenas uma “noite tipicamente petista, cheia de jargões esquerdistas”. O discurso de Dilma, contando sua trajetória política, leva gente às lágrimas e aplausos a interrompem, “aplausos fanáticos” para Veja. A menção ao fato de Lula ter recebido o país com inflação elevada e de joelhos perante o Fundo Monetário Internacional? Receita, segundo Veja, para fazer sucesso entre militantes da esquerda. Dilma dá o recado principal, sobre o ódio religioso, que vinha sendo incitado pela grande imprensa.
“O país não destila ódio religioso. Todos os cultos podem se encontrar na mesma escola e conviver. Tentar destilar o ódio religioso ou qualquer preconceito não é característica de um país laico. Não queremos o estado apropriado por nenhuma crença, nenhuma religião. Pregamos a existência de um estado que não pode interferir na vida privada das pessoas.”
A ALMA DA FESTA.
Isso a revista não comentou, claro. Dilma libertava-se nesse momento da pauta medieval, à qual tinha sido obrigada a render-se. A mídia tentou menosprezar o acontecimento. Mais uma vez, não fosse o papel dos “blogs sujos”, do Facebook, do Twitter e da própria propaganda eleitoral, seria enquadrado como tentativa de reedição “das manifestações de 1989, 2002 e 2006, em outra famosa casa de espetáculos da Zona Sul carioca”, como a definiu Veja.
A ideia que queriam passar era a de que intelectuais e artistas tinham fechado com a verde Marina Silva no primeiro turno, e com ela ficaram, ao lado de descolados em geral, inclusive os fascistas descolados, e que o evento no Casa Grande, palco de memoráveis jornadas democráticas, não passava de pajelança petista. Mas as imagens que circulam na internet mostram delírio no teatro. Vemos Chico Buarque, alma da festa, em meio a um chão de estrelas – Margareth Menezes, Beth Carvalho, Fernando Morais, Alceu Valença, Renato Borghetti, o rapper brasiliense Gog, entre outros. O maior cientista brasileiro vivo, Miguel Nicolelis, um dos 20 mais influentes do mundo segundo a revista Scientific America, desculpou-se por não comparecer, estava fora do país, ele que é forte candidato a nos dar o primeiro Prêmio Nobel e que numa entrevista declarou voto em Dilma – “é vital para o futuro do Brasil”, para “nossa soberania intelectual”. Chico diz:
“Vim reiterar meu apoio a esta mulher, que já passou por tudo, e não tem medo de nada. Vai herdar um governo que não corteja os poderosos de sempre. O Brasil que é ouvido em toda parte porque fala de igual para igual com todos. Não fala fino com Washington, nem fala grosso com Bolívia e Paraguai.”
A reunião do Casa Grande foi um dos acontecimentos vitais para repor o bloco na rua. A turma das trevas entrou em pânico, e as declarações de ódio eterno que Chico anda recebendo talvez ainda sejam os efeitos colaterais. Sobrou até para Marieta Severo, ex-mulher do compositor. No começo deste mês, quando a atriz recusou o convite para interpretar Dilma no cinema, um internauta passou ao largo da flagrante inadequação física entre as duas e festejou assim na Folha.com:
-- Diferentemente do ex-marido, ela mostrou-se digna. Ganhou minha admiração. Sua biografia não precisa dessa mancha.
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