sexta-feira, 30 de julho de 2010

O DILEMA ENTRE REFAZER E RETIRAR

Editorial, Jornal do Brasil
Deve ser louvada toda iniciativa do poder público no sentido de produzir obras que efetivamente tragam melhora nas condições de vida da população. Especialmente no caso dos municípios, a proximidade entre o alcaide e o cidadão que paga os impostos é uma vantagem, tanto para a percepção de quem precisa de alguma melhoria como para estar permanentemente atento ao que é urgente realizar. Quando a prefeitura do Rio anuncia um investimento da ordem de quase R$ 1 bilhão na urbanização de todas as favelas da cidade, a decisão precisa ser aplaudida. Mas é importante acionar a memória para lembrar que outros tantos tostões, tão indispensáveis à melhoria das condições humanas, já foram empregados no passado com a mesma finalidade, algumas vezes nos mesmos locais.
Uma das condições importantes para que o novo programa Morar Carioca funcione como se espera é que o tratamento de cada situação não pode mais ser guiado por uma noção quase romântica da necessidade de se manter a pessoa na comunidade onde está. Independentemente dos traços culturais e do comportamento que essa convivência gera, existe algo acima do interesse particular, que é o dever de preservar tanto a vida de quem mora quanto o patrimônio natural da cidade. O Rio, como se sabe, tem uma geologia tão bonita quanto complicada. As terríveis chuvas de abril, que tanta dor trouxeram, deixaram a população nervosa diante da descoberta de que encostas belamente florestadas não são necessariamente sinônimo de segurança.
Qualidade de vida é uma característica que independe da localização da família, mas é fortemente influenciada por ela. Assim, deve ter peso na decisão do Estado quanto ao investimento na melhoria, tanto quanto na ponderação sobre uma eventual remoção. Há pontos na cidade nos quais as encostas são frágeis demais para continuarem a ser ocupadas como estão. Uma intervenção urbanística pode minorar o problema, mas sempre ficará a dúvida.
É interessante também notar que, ao contrário de programas bem sucedidos – mas abandonados – do passado, como o Favela Bairro, desta vez a ideia da prefeitura é não só manter o padrão de conservação que adota no asfalto –um notável e simples corolário para derrubar os muros que separam os moradores ricos dos pobres– como também recuperar aquilo que não foi conservado no passado. Deveria também incluir no pacote um controle rígido da expansão das comunidades e da degradação dos projetos resultante do interesse individual em dar ao seu espaço a própria identidade. Um puxadinho aqui, outro ali, e logo todo o conceito vai por água ou encosta abaixo. Muita coisa se perdeu por falta de continuidade e controle. O ambicioso plano da prefeitura é uma chance de recuperar isso.

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