Wanderley de Souza, do Jornal do Brasil.
Infelizmente, as preocupações com a situação do processo educacional brasileiro só afloram quando os resultados de avaliações internacionais se tornam públicos. Afinal, a posição brasileira nesta área destoa de outros indicadores, quer sejam de natureza econômica ou mesmo no que se refere à atividade de pesquisa científica e tecnológica. Os últimos dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), organizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que mede a aptidão dos estudantes de 15 anos na sétima série em leitura, matemática e ciências, mostraram que, apesar de uma pequena melhora em relação à avaliação anterior, continuamos ocupando as últimas posições. Em relação à leitura e a ciências ocupamos a 53a posição, em um total de 65 países avaliados. Em matemática, ocupamos a 57a posição. É sempre bom lembrar que as primeiras posições são ocupadas pela Coreia do Sul, Finlândia, Hong Kong e Cingapura. Cabe ainda registrar que os dados acima indicados se referem a valores médios e que diferenças significativas podem ser detectadas entre os vários estados da Federação bem como entre as escolas públicas e as privadas. No que se refere aos estados, os melhores desempenhos foram encontrados no Distrito Federal, em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e no Paraná. Quanto ao desempenho das escolas, o melhor foi sempre observado nas poucas escolas públicas federais existentes (Colégios de Aplicação das universidades, Colégio Pedro II do Rio de Janeiro, Institutos Federais e Colégios Militares) seguido de perto pelas escolas privadas. Nestes dois universos, os resultados ficaram próximos daqueles encontrados nos países em melhor posição. A situação catastrófica foi detectada nos colégios estaduais e municipais.
Todas as vezes que resultados como os indicados acima são publicados percebe-se uma certa indignação por parte da população. Afinal, o país vem investindo recursos crescentes em educação. Onde estamos errando? Dos resultados publicados, fica claro que temos exemplos de razoável sucesso nas escolas federais e em muitas escolas privadas. Logo, uma primeira medida lógica seria verificar o que se passa nas melhores instituições representativas destes dois universos e implementar um programa corajoso nas escolas estaduais.
Melhorar o processo educacional brasileiro não é tarefa fácil e, muito menos, de resultado rápido. É preciso
paciência e determinação, sem interferências constantes no processo. O próprio relatório da OCDE apresenta duas perguntas que devem ser objeto de análise pelos países que desejam melhorar seu desempenho.
A primeira é muito simples e direta: “Como são pagos os professores em comparação com outros trabalhadores de alto nível?”. No que se refere ao ensino público estadual, justamente o mais frágil, a situação é vergonhosa. É fundamental que os governos estaduais, inclusive com o apoio do governo federal, organize um amplo programa de motivação dos professores existentes através de programas de atualização permanente, estímulo a programas de mestrado profissional nas diferentes áreas de ensino, etc, com correspondente melhoria salarial. Esta pode ser feita inicialmente na forma de bolsa, com recursos compartilhados pelos governos federal e estaduais e, logo a seguir, com mudanças significativas no Plano de Cargos e Vencimentos. Estas bolsas poderiam permitir, ainda, a dedicação integral do professor à sua carreira. A Capes, recentemente chamada a participar da melhoria do ensino básico no país e que tem competência e experiência adquirida no apoio aos cursos de pós-graduação, poderia coordenar com relativa facilidade um amplo programa com esta finalidade.
A segunda questão é também direta: “Você gostaria que o seu filho fosse professor?”. Certamente que a resposta é não, sobretudo nas classes sociais em melhores condições. Como reverter este quadro? A resposta é simples. O salário do professor deve ser compatível com o mercado, de modo a estimular que bons alunos dos cursos de bacharelado e licenciatura nas universidades sejam estimulados a seguirem a carreira docente em escolas de ensino básico. Hoje, estes alunos preferem a carreira científica ingressando nos cursos de mestrado e doutorado onde contam com bolsas cujo valor é significativamente maior do que o salário oferecido pelas escolas públicas. Esta opção abre ainda a possibilidade de crescimento na carreira, maior prestígio e remuneração crescente.
Por último, cabe enfatizar que a melhoria do ensino básico depende de vários fatores, entre os quais merece destaque especial a figura do professor. No entanto, é necessário atentar para vários outros fatores entre os quais destaco: 1) a infra-estrutura física da escola, que deve contar com salas de aula especialmente preparadas para as disciplinas a serem ministradas; 2) espaço físico adequado para atividades extracurriculares (atividades físicas, música, teatro, etc); 3) biblioteca; 4) laboratórios para aulas práticas bem equipados e com instrutores capacitados; 5) professores e alunos presentes na escola o maior número de horas possível, preferencialmente em tempo integral; 6) eficiente gestão escolar, entre outros. É pouco provável que os milhares de escolas existentes possam ser beneficiadas simultaneamente de um programa. O importante é iniciar o processo o quanto antes e estabelecer metas anuais a serem perseguidas. O que é inaceitável é continuar a situação atual e lamentar os resultados dos processos de avaliação apenas quando eles são divulgados.
Professor titular da UFRJ e diretor de Programas do Inmetro, é membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina.
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