CLÓVIS ROSSI
Visita do presidente americano à América Latina em março é a chance de retomar o engajamento |
NO SEU até agora único movimento em direção à América Latina, o presidente Barack Obama foi recebido como pop star até pelos seus companheiros de governo durante a Cúpula das Américas de Trinidad e Tobago, em 2009.
O outro pop star presente, Luiz Inácio Lula da Silva, manifestou a Obama o enorme significado que o subcontinente atribuía ao fato de um negro ter sido eleito presidente da maior potência da Terra. Mas não deixou de acrescentar, apontando para Evo Morales: "A eleição deste índio na Bolívia teve significado equivalente".
Puxou para a conversa o nome de Hugo Chávez, apresentando-o como "bom moço" e sugerindo que Obama conversasse com o líder venezuelano, o grande inimigo dos Estados Unidos na região.
Chávez também estava impregnado desse espírito de congraçamento, tanto que fez questão de dar de presente a Obama o livro "Veias Abertas da América Latina", um clássico do uruguaio Eduardo Galeano.
Nos 20 meses seguintes, o espírito murchou. Em grande medida por motivos positivos para a América Latina. Não é uma região que tenha terrorismo, disputas territoriais ou outros problemas que chamem a atenção do mundo. Tem zilhões de problemas internos, mas quem liga para eles, no mundo rico?
No mês que vem, Obama faz o seu segundo movimento, com a visita a Brasil, Chile e El Salvador.
À margem dos acordos a serem assinados ou anunciados, o grande significado da visita, ao menos do ponto de vista do governo brasileiro, é o de "ressetar" o espírito de Trinidad e Tobago, para usar um neologismo que Hillary Clinton utilizou para se referir às relações entre EUA e Rússia.
No Palácio do Planalto, a expectativa é a de que os Estados Unidos retomem o engajamento com a América Latina, claro que tendo o Brasil como eixo, pelo peso que o país tem no subcontinente e que vai ganhando também fora dele.
A América Latina é, além de uma enorme reserva de energia e alimentos, "uma reserva de democracia", diz, por exemplo, Marco Aurélio Garcia, assessor diplomático tanto de Lula como de Dilma Rousseff e frequente interlocutor de Washington. De fato, ao contrário de África, Ásia e Oriente Médio, a América Latina é 99,9% democrática (a exceção é Cuba).
Aí é que entra o fato novo que se intrometeu entre o anúncio da viagem de Obama e a sua efetiva realização: as revoluções pela democracia no Oriente Médio, que ao mesmo tempo excitam e tiram o sono do planeta.
Se de redemocratizar se trata, o Brasil, diz Marco Aurélio, "tem credibilidade para se oferecer para participar de um processo multilateral para a região".
Para alguns setores internos, trata-se de pretensão descabida, mas o fato é que a crise no Oriente Médio mostrou que, exceto os Estados Unidos, nenhum outro país ou região mexeu-se o suficiente para exercer de fato influência.
Se é assim e se os Estados Unidos, sozinhos, não podem atuar como bombeiro, polícia ou banco para uma região em efervescência, torna-se razoável a ideia de engajar o Brasil, tanto para a relação com a América Latina como para voos mais altos.
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