O obscuro episódio protagonizado pelo diretor-geral do FMI, Dominique Strauss-Khan, ilustra não apenas uma possível derrocada pessoal mas a do socialismo francês --e, de certa forma, de boa parte da esquerda mundial diante da crise econômica. Strauss-Khan exerce (ia) o comando da inspetoria financeira do capitalismo. O Fundo Monetário apesar das boas intenções de Keynes em Bretton Woods --e as do próprio Khan, segundo algun economistas-- é o órgão encarregado, em última instância, de preservar os interesses dos credores ricos contra Estados e nações pobres. Notabilizou-se pela imposição de ajustes de austeridade devastadora, como ocorre agora no caso das condicionalidades exigidias para liberação de ajuda à Grécia e Portugal. Cálculos do economista Pierre Salama sugerem que na crise da dívida externa, nos anos 80, o FMI impôs aos países pobres e em desenvolvimento um programa de arrocho econômico que resultaria em transferências de recursos, para pagamento de juros, de gravidade e volume superior às compensações de guerra impostas à Alemanha pelo Tratado de Versalhes, após a derrotada germânica no primeiro conflito mundial e que levariam ao surgimento do nazismo nos anos 30/40. O trágico não é que o dirigente desse instrumento típico da espoliação exercida pelas finanças no tecido social seja um suposto sedutor de camareiras em hotéis de US$ 3 mil a diária. Mas, sim, que Strauss Khan represente o máximo que o socialismo francês tem a propor para enfrentar o direitista Sarkozy, no escrutínio de 2012. Em outras palavras, a esquerda não tem nada de novo a dizer aos trabalhadores e à classe média. Hoje na Europa apenas a extrema direita tem um programa a oferecer à sociedade para acudir a sua angústia diante da crise. E esse programa é mais completo que o do FMI de Strauss-Khan. Ao arrocho sobre as políticas públicas ele acrescenta o ódio contra os estrangeiros, uma xenofobia higienista que, no limite, como já ocorre na Itália, sanciona a restauração de campos de concentração para impedir imigrantes miseráveis de disputar os minguados direitos e empregos que o torniquete da austeridade ortodoxa subtrai aos próprios europeus. Entre eles, quem sabe, vagas para camareiras em hoteis de luxo, como o que emoldurou o suposto assédio de Khan nos EUA.
(Carta Maior; 4º feira, 18/05/ 2011)
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