Por Luiz Fernando Verissimo.
Certa vez interrompi a leitura entusiasmada de um romance no trecho em que a heroína estava prestes a se entregar ao narrador porque não conseguia entender como as coxas dela podiam ser confiantes. Coxas confiantes?!
Mas estava ali, o narrador entre as coxas confiantes da moça. Mais tarde deduzi que o tradutor do inglês confundira thrusting com trusting e que as coxas eram para ser ativas, metidas — "ávidas", em linguagem figurada — em vez de cheias de boa-fé, mas aí já passara o entusiasmo.
Nos romances antigos, além de coxas animadas, as pessoas tinham estremecimentos. Hoje, com o ritmo trepidante da vida moderna, ou as pessoas só estremecem quando passa um caminhão ou não se nota mais um estremecimento no sentido literário.
Ou talvez "estremecimento" seja como "muxoxo", uma daquelas coisas que só acontecem em livros. Eu até hoje nunca vi um muxoxo na chamada vida real. Mas como não sei exatamente como é um muxoxo talvez tenha visto e não tenha reconhecido.
Também nunca vi uma sombra passar pelo semblante de alguém como acontecia, repetidamente, nos livros. É linguagem figurada, eu sei, como as coxas ávidas, ou "olhar perdido", mas a tal sombra aparecia tanto na literatura que me convenci de que, como o estremecimento, devia ser algo que existiu e simplesmente caiu de moda.
Passei boa parte da minha adolescência com a expectativa de encontrar um colo arfante fora dos livros, mas não tive sorte. Encontrei seios latejantes, mas era o coração delas que latejava, se bem que menos do que o meu. Os livros eróticos eram cheios de inchaços e deflagrações nos lugares mais estranhos do corpo. Mas o relato sexual sempre foi um desafio para a literatura.
Nos livros antigos as pessoas também empalideciam muito, a qualquer pretexto. Hoje ainda ficam pálidas, por anemia ou medo, mas nunca por constrangimento como antigamente.
E as pessoas ruborizavam! Ninguém mais ruboriza. No Brasil, há uns bons 50 anos não se tem notícia de que alguém tenha ruborizado.
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