domingo, 20 de fevereiro de 2011

JOEL: EU SOU A HISTÓRIA DESTE ESTADO

Técnico do Botafogo abre o coração e deixa a modéstia de lado.

Joel Santana exibe quadro com a montagem feita pelo LANCE! com seu rosto no pôster do filme "Eu sou a lenda" Foto: Ricardo Ramos.
Por Marcelo Benevides, Nathan de Lima e Thiago Bokel.No caminho até a sala de imprensa do Engenhão, o suor cai do rosto após ficar mais de uma hora orientando os jogadores debaixo do sol. O joelho já dá sinais de cansaço. O andar é manco. Antes de abrir a porta, uma respirada profunda. Já não é mais Joel Santana que está ao lado da equipe de reportagem do LANCENET!, é a lenda, o maior vencedor da História do futebol carioca.
Um guerreiro que sofre com o peso do tempo, mas que se mantém de pé, pronto para mais uma batalha. Vencendo o Flamengo neste domingo, dará um passo importante para bater o recorde de conquistas da Taça Guanabara. No momento, está empatado com Zagallo – seis títulos. Nessa entrevista exclusiva, Joel não se esquivou, abriu seu coração. Confira!
Marcelo Benevides: Você pediu mesmo uma reunião para maio com a diretoria?
Vamos fazer uma avaliação. Se tiver agradado, continuo. Não tem nada de não estar satisfeito. Ao fim do Carioca nos reuniremos. Vocês ficarão sabendo. Sabe como é a imprensa. "Deu uma notícia importante para um e não deu para outro?". Não tenho motivo para sair do Botafogo, já provei isso.
M.B.: Você hoje se vê fora do Rio de Janeiro?
Já recebi tanta proposta de fora, mas não tenho dado nem resposta. Tive uma da Arábia Saudita para ser técnico por três anos e meio da seleção. Nem quis ouvir. Viajei muito nos últimos anos. De repente, poderia até fechar meu caixa. Mas e a minha vida, como fica? Tenho de pensar um pouco mais em mim, não sou mais criança. Se fosse há dez, 15 anos, poderia pensar, mas não ouvi por causa disso, para não balançar. Já trabalhei em quatro clubes de lá, sei como as coisas se determinam. Posso ouvir, mas não penso em sair hoje. Se viesse uma proposta da Europa seria uma outra história. O Roberto Carlos que tem muito mais dinheiro do que eu está indo para a Rússia, Lituânia, Letônia, sei lá onde.
M.B: Mas você já está com o boi na sombra...
Não, meu boi não está na sombra, está caminhando. Se tivesse com o boi na sombra estaria na praia.
Thiago Bokel: Após o Carioca, você recebeu proposta de Flamengo e Cruzeiro. Teve mais alguma?
Deixa pra lá, teve um outro time de ponta, mas não entramos em detalhes. Naquela hora, por todo respeito que tenho pela Patricia (Amorim) e pelo Flamengo, não dava para sair do Botafogo. Toda aquela festa bonita no Engenhão e cadê o treinador, o melhor convidado? Não veio. Não está certo. Mas a Patricia entendeu. Quando eu estiver disponível nós conversamos. Um dia o Flamengo vai me querer. Meu nome ainda é bem visto por lá. Mas isso fica para o futuro. Meu momento é o Botafogo, hora da decisão, diante da equipe da moda. Vai ser dificílimo.
T.B.: Só você mesmo para dar fim àquele jejum do Botafogo contra o Flamengo?
Às vezes cai na minha mão. Aí a magia começa.
M.B.: O que você tem a falar sobre o Caio?
É um jogador veloz, goleador. Estava num momento bom, entrava e resolvia. Agora não quer mais fazer isso. Descobriu a galinha dos ovos de ouro e agora quer começar tudo de novo. Coisa de garoto. Ele tem de entender que estou nessa há 30 anos. Acerto e erro, mas com ele vou acertar.
M.B.: Você gosta de dialogar com seus jogadores. Com o Jobson, conversou muito?
Conversei umas duas ou três vezes. Quando eu vi que ele estava mentindo muito para mim, aí não tinha mais condição de trabalhar. É um profissional que merece ajuda. Mas quando começa a errar muito, aí sinto que não precisa mais do meu apoio.
T.B.: Quando sentiu isso dele?
Ele começou a mentir demais. Eu trabalho para o Botafogo e quando começam a surgir notícias ruins não fica bem para o clube. Dizem que não tem direção. E muitas vezes nem é minha área. A minha é dentro de campo. Mas acaba sobrando para o treinador.
M.B.: O Dorival poderá dar jeito?
Não sei. Condição tem, mas a pessoa tem de querer. Ninguém gosta de sofrer a vida toda. Está faltando alguma coisa, mas não posso dizer porque não sou psicólogo. Mas que está, está.
Nathan de Lima.: E o Loco?
Loco Abreu tem 34 anos, não é mais filho. Como darei um conselho a um pai de quatro filhos? Ele tem o jeito dele e eu tenho o meu. Temos personalidades diferentes.
N.L.: E como tratar isso?
É fácil. Se tiver certo eu elogio, se estiver errado, chamo a atenção. Aqui não tem privilégio. Trabalho para o Botafogo, temos uma disciplina. Mas tudo bem, ele faz do jeito dele e eu, do meu.
T.B.: Quando ele errou o primeiro pênalti contra o Fluminense, qual foi sua reação?
A responsabilidade é dele. Loco tem sorte. Sorte de o Herrera ter deixado ele bater. Os dois conversaram, não me meti. Quero ver o gol. Não interessa quem vai bater.
N.L.: O que planeja para o futuro?
Só olho para o presente, não planejo o futuro. Não é fácil se manter com essa cobrança, sobrevivendo numa equipe de ponta. Ano passado foi excelente profissionalmente. Se ficar uma semana em casa, já sinto vontade de ir à boca do túnel reclamar, xingar o cara que bateu uma foto minha na hora do pênalti. Isso é a minha vida.
T.B.: Luxemburgo pensa em ser presidente do Flamengo, deve virar manager. Pensa nisso também?
Sou feliz o bastante no que faço. Não sei como me sentiria numgabinete. Meu negócio é no sol, conversando com jogadores, imprensa. Não tenho muito jeito para isso. Sou mais operário, feijão com arroz.
T.B.: Aquela passagem pelo Flamengo em 2005 significou uma grande mudança na sua carreira. Sua imagem mudou, você começou a evitar de ser fotografado com um copo na mão...
Nunca tirei foto assim. As pessoas criam coisas. Não gosto de chope, só bebo muito de vez em quando, no calor. Adoro tomar vinho e champanhe, mas nem gosto de caipirinha, tomo raramente. Aqui, quando você fica experiente, torna-se ultrapassado. Você acha que uma companhia que comprou um avião novo, um boeing, vai dá-lo na mão de um piloto com mais rodagem ou na de um garoto que acabou de se formar? Não é só no futebol, é no Brasil. Não estou dizendo que sou o melhor, mas alguma coisa eu tenho. Hoje eu reprimi mais meu ciclo de amizades. Se o cara diz que me viu bebendo em um bar, está mentindo. Tenho convites todo dia para almoçar, jantar, mas não vou. Meu grupo de amigos é pequeno. Outro dia fui na casa de uma pessoa, numa cobertura, e tomei um banho de piscina. Um dos meninos lá bateu uma fotografia. Hoje é um perigo você sair na rua.
N.L.: A associação com a bebida incomoda muito?
Eu tenho uma filha de 30 anos que está morando em Moçambique, fazendo um trabalho comunitário. Meu filho tem 28 e é advogado. Você gosta que levante uma suspeita para dentro da sua casa? Hoje, se levantar uma suspeita, terá de provar. E se eu bebesse? Quem tem a ver com isso? O cara fala sem nunca ter bebido comigo. E se ficar prestando atenção em mim eu não vou sair com ele. Não é minha mulher! Recebo vocês com alegria. porque sei que vocês vivem disso. Vocês vêm cedo, fazem o script bonitinho e eu vou recebê-los de mau humor?
T.B.: Você passou a usar a imprensa a seu favor. Virou a maior personalidade de frases folclóricas do futebol no Brasil. Viu a necessidade de mudar?
Em 2005, arrisquei a minha carreira toda. Não por ser o Flamengo, mas pelo momento que o clube passava, ninguém queria assumir. Saí do cinema para me encontrar com dirigentes em Ipanema. Eles falaram: "Nós estamos na sua mão". Mas já passei por situações semelhantes. Em 87, no Vasco, ganhamos em Belém e tomamos champanhe no vestiário. Vencemos sete e empatamos uma. Em 2004, também no Vasco, tínhamos dois jogos contra Atlético-PR e Santos, primeiro e segundo colocados, e precisávamos ganhar um. Dei um título ao Vanderlei e ele não me deu uma champanhe por isso. Vou cobrar dele um dia desses.
N.L.: Ser rotulado por estar em evidência incomoda?
As coisas que não quero ouvir, ignoro. Viajei o mundo, vi guerra. Não vi espoletinha na TV. Quem não gosta de mim precisa me rotular. Não pode dizer que sou feio, precisam me chamar de alguma coisa.
T.B.: Você é um cara vaidoso.
Um pouco, nem tanto.
T.B.: A partir do momento que viu deva certo a fórmula das frases de efeito, resolveu investir nelas?
Precisava mudar um pouco, estava muita mesmice. É legal resenhar fora do futebol. Dizer que essa barba que você está usando está mal aparada. Antigamente se descontraía muito mais.
T.B.: O futebol está chato?
Não é que esteja chato. As pessoas se preocupam muito mais com sua vida particular. Adoro usar bermuda, chinelo de dedo, mas não dá para usar em todas as situações. Isso irrita.
T.B.: Sente falta da época na qual Túlio, Romário e Renato disputavam o trono de Rei do Rio?
Rei do Rio só tem um, príncipe tem vários, para com isso. Já chega o Renato, que vem com essa viadagem. Ainda bem que ele foi para o Sul usar bombachas e bota e parou com essa frescura. E vocês alimentam. Já era para ter parado com isso há tempos. Eu tenho oito estaduais. Não ganhou nenhum e quer se comparar?
M.B.: Você se sente injustiçado?
Injustiçado não, mal aproveitado. Minhas conquistas são feitas no suor. Nunca com o melhor time. Trabalhei o bolo até sair. Quase todas as vezes foram assim.
T.B.: Como o Vanderlei, você se acha bom pra cacete?
Não me acho bom pra cacete. Sou um estrategista, que acerta e erra. Acho que estou entre os dez do país. Só fui mal aproveitado.
N.L.: Acha que foi mal aproveitado na África do Sul?
Eles andaram para trás depois que me tiraram. Jogamos de peito aberto contra Espanha e Brasil.
T.B.: Você transformou aquilo numa fase final de Taça GB...
Se vai para prorrogação contra o Brasil, ganhávamos. Ia colocar duas perninhas nervosas, que iam me ajeitar o jogo.
N.L.: Sente falta no seu currículo de um trabalho na Europa?
Sinto. Lá eu vejo respeito ao trabalho. Treinador é o mister. Não tem essa de tchá tchá tchá, ti ti ti, faz o que quer. Acha que isso pode acontecer no Brasil? É ruim, hem. Ainda bem que tenho muitos amigos aqui no Botafogo.
T.B.: Qual a grande decepção, não ter treinado a Seleção ou não ter trabalhado na Europa?
Não é decepção. Se me dão uma Seleção com Ronaldo, Ronaldinho e Roberto Carlos, acham que eu faria o quê? Pudim? Ia fazer um castelo.
M.B.: Não ficou decepcionado deixar a África tão perto da Copa?
Eu ganhei uma carta de agradecimento pelo que eu fiz lá. Mas eles são malucos, fazer o quê?
T.B.: Puxaram seu tapete?
Nada, trocaram o presidente da federação. Assumiu um cara que era o presidente de arbitragem. Aí todo mundo o manipulou. E quem era a meu favor, como o Danny Jordaan (presidente do comitê organizador da Copa), ficou sem voz.
N.L.: Está na hora da estátua...
Estátua não, que o homem lá de cima chama o curinga e é fogo. Vocês (imprensa) têm de cobrar. Tenho de ser imortalizado no Maracanã. Ninguém ganhou mais do que eu lá. Já colocaram tanto pé, por que não posso colocar minha prancheta? Eu sou a história desse estado, uma lenda, aproveitem. Não é todo dia que se conversa com uma lenda e se consegue uma entrevista boa dessas. Vocês vão ver como vai vender e vida de vocês vai mudar.

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