sexta-feira, 15 de julho de 2011

A CRISE DA DIVIDA DOS EUA

RICHARD McGREGOR,  do "FINANCIAL TIMES" - Tradução de Clara Allain.
Perto do fim de sua reunião com parlamentares na quarta-feira, Barack Obama falou em tom áspero com Eric Cantor, o líder da maioria na Câmara que vem encabeçando a posição republicana de linha dura contrária a quaisquer aumentos de receita nas discussões sobre a dívida nacional.
"Cheguei ao meu limite", disse o presidente, antes de levantar-se abruptamente e deixar a reunião, segundo relato feito pelo gabinete de Cantor. "Isto pode derrubar minha Presidência, mas não vou ceder nesta questão."
O presidente ganhou seu apelido de "no-drama Obama" (Obama sem drama) graças a sua campanha brutal para conquistar a Presidência, em 2008, e ao fato de vir administrando crises no cargo desde então. Mas sua calma foi esticada ao limite nas extremamente tensas negociações sobre o orçamento.
Uma elevação do teto de empréstimos do país é vital para pagar os juros das dívidas e manter o governo federal em operação. Se as negociações fracassarem, os EUA podem dar um calote um evento sísmico que prejudicaria ainda mais a recuperação trôpega do país e semearia o medo em uma economia global já assustada com os problemas de dívida da Europa. Se democratas e republicanos não conseguirem chegar a um acordo, isso também será um símbolo inconfundível de como um sistema político doméstico cada vez mais disfuncional não consegue mais administrar as divergências partidárias.
Para um mundo que ainda espera liderança econômica, política e diplomática dos Estados Unidos, seria um momento muito grave. "Perguntar com que cara poderia ficar a economia americana após um possível calote do Tesouro dos EUA é como perguntar 'o que você vai fazer depois de cometer suicídio?'", diz Steven Wieting, um analista do Citigroup.
Operadores influentes nos mercados financeiros já definiram os limites do que pode ser suportado; a agência de classificações Moody's ameaçou rebaixar a classificação de crédito dos EUA em função do impasse sobre o orçamento. Um calote, avisou Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve, seria uma "calamidade financeira".
A última vez em que o Congresso não chegou a um acordo sobre um pacote de resgate financeiro -- em 2008, quando ele inicialmente rejeitou o programa de resgate a ativos em dificuldades, no auge da crise dos bancos -- as bolsas caíram quase 10%.
Obama vem tendo discussões diárias com líderes do Congresso na Casa Branca, tentando alcançar um acordo. Steny Hoyer, a segunda figura mais alta na hierarquia da liderança democrata na Câmara, é um dos muitos em Washington a avisar que, se as discussões fracassarem, haverá outra crise financeira pela frente.
QUAL É O PROBLEMA?
Quando Bill Clinton deixou a Casa Branca, em 2001, ele legou a George W. Bush um superávit saudável. Mas esse superávit evaporou nos oito anos seguintes, em consequência de duas guerras caras, os cortes nos impostos cobrados dos americanos mais ricos, e a recessão.
O declínio econômico agudo após a crise financeira de 2008 devastou as receitas tributárias. Um programa de estímulo de US$ 700 bilhões que Barack Obama levou o Congresso a aprovar elevou o déficit para mais de 10% do produto econômico. Hoje os Estados Unidos emprestam cerca de 40 cents por cada dólar que gastam.
Sob muitos aspectos, contudo, o déficit cíclico não passa de uma parte pequena do problema. O problema real ainda está por vir, mais à frente na década, quando a população nacional em
processo de envelhecimento provocará uma explosão dos custos em uma série de programas governamentais populares.
No mês passado o Escritório Orçamentário do Congresso, organismo não ligado a nenhum dos partidos, avisou que, em um cenário provável de escolhas de política econômica, a dívida federal vai equivaler a mais de 100% das dimensões anuais da economia já em 2021 e chegará a quase 190% até 2035.
As implicações disto são mortíferas, avisam economistas. O custo do pagamento dos juros da dívida pode levar a um salto nas taxas de juros, ao afastamento do investimento privado e a uma diminuição fundamental do poder dos EUA.
A natureza dual do problema do déficit -- um déficit agudo de curto prazo, combinado com uma deficiência enorme no longo prazo -- dificulta um acordo entre a Casa Branca e os democratas e republicanos. Existe um consenso geral segundo o qual um plano para reduzir o déficit em cerca de US$4.000 bilhões ao longo da próxima década poderia ser suficiente para estabilizar os níveis de dívida do país e colocar os EUA em posição fiscal mais sólida. Mas talvez não seja possível chegar a um acordo dessas dimensões.
Em lugar disso, os parlamentares talvez se contentem com um acordo mais limitado no valor aproximado de US$ 2.000 bilhões, sem tratar das questões de longo prazo, como os gastos com a saúde. Isso simplesmente adiaria uma solução, pelo menos para até depois das eleições presidencial de 2012 e congressional.
Um pacto desse tipo deixaria os dois lados insatisfeitos. Além disso, com o desemprego persistentemente alto, alguns parlamentares estão pressionando para que novas medidas de estímulo sejam incluídas no pacote. Mas, com a expectativa de que as tensões políticas se agravem ainda mais à medida que as eleições se aproximam, esta talvez seja a única oportunidade de aprovação de um apoio governamental de curto prazo para a economia.
O QUE O CONGRESSO QUER?
A maioria das negociações é formada por um processo de concessões mútuas em que nenhum dos lados consegue tudo o que ele quer. Os republicanos, porém, estão abordando as negociações sobre a dívida em espírito muito diferente.
A proposta original de Barack Obama oferecia aos republicanos um acordo que refletia a posição de superioridade que eles detêm na discussão sobre o déficit, baseada no único ponto que eles vêm martelando o ano inteiro: a necessidade preeminente de reduzir os gastos.
O plano de Obama para reduzir o déficit em US$ 4.000 bilhões ao longo de dez anos consistia em cortes da ordem de 70%-80%, com a diferença a ser composta de novas receitas. Ela era tão enviesada em direção aos cortes, incluindo uma erosão dos programas federais quase sagrados de aposentadoria e saúde dos pensionistas, que seus colegas democratas reagiram revoltados.
Nancy Pelosi, ex-presidente da Câmara dos Deputados e defensora acirrada da esquerda liberal, disse que "não pode haver cortes de benefícios do Medicare ou da Previdência Social".
Alguns integrantes da direita entenderam porque Pelosi estava preocupada. David Brooks, colunista conservador do "New York Times", descreveu a proposta de Obama como "o acordo do século".
"Se o Partido Republicano fosse um partido normal, tiraria vantagem deste momento espantoso e aproveitaria a oportunidade de impor um limite de longo prazo ao crescimento do governo", ele escreveu.
Mas o movimento Tea Party vem transformando os republicanos, que se recusaram a cogitar de quaisquer aumentos de receita. No passado poderia haver alguma flexibilidade na posição conservadora, mas o Tea Party levou ao Congresso dezenas de novos parlamentares que têm pouca lealdade ao establishment republicano.
"Eles vieram à capital para transformar Washington e então partir", escreveu Norm Ornstein, do instituto de estudos American Enterprise Institute.
A posição dos democratas também encerra riscos. Durante o ano todo eles deixaram que os republicanos assumissem a liderança na questão do déficit, recusando-se a fazer suas próprias propostas para o orçamento e apostando na possibilidade de seus adversários fracassem por tentarem algo que estaria fora de seu alcance.
Os planos dos republicanos para cortes de gastos mostraram ser impopulares, mas, mesmo assim, a direita definiu os termos do debate. Não apenas os republicanos deixaram os democratas para trás na discussão nas últimas semanas, o próprio Obama vem ameaçando fazer o mesmo.
O QUE QUER A CASA BRANCA?
Para Barack Obama, as negociações sobre o teto da dívida representam uma oportunidade política preciosa uma chance de o presidente livrar-se da percepção prejudicial de que é um progressista favorável ao "governo grande" (a presença grande do Estado na economia).
Como isso fez por Bill Clinton em 1995, selar um grande acordo com seus rivais políticos -- que reduziria programas como o Medicare e o Medicaid, ao mesmo tempo acordando uma reforma tributária abrangente -- reforçaria a reputação de Obama de centrista que se dispôs a desafiar seu próprio partido para solucionar o déficit.
Em entrevista coletiva à imprensa esta semana, Obama deixou subentendido que teria uma agenda ainda mais ambiciosa: alcançar um acordo de alcance suficiente para resolver a questão fiscal, abrindo caminho para ele conquistar o segundo mandato que procura e ao mesmo tempo permitindo que ele volte sua atenção a outras questões.
"Se você é um progressista que se preocupa com os investimentos em programas de crédito estudantil, pesquisas médicas e infraestrutura, saiba que não poderemos avançar nessas áreas se não tivermos colocado nossa casa fiscal em ordem", disse Obama.
Mas Jennifer Duffy, do "Cook Political Report", um informativo de Washington, diz que seria imprudência da parte de Obama pensar que poderia emular a façanha política realizada por Clinton na década de 1990. Não apenas as questões em jogo nas negociações sobre o teto da dívida são maiores do que foram as questões para Clinton quando este fechou um pacto para equilibrar o orçamento nacional, como o ambiente político de então era muito menos polarizado do que é hoje.
Os cortes e outras reformas de benefícios que estão sob discussão, incluindo um possível aumento de 65 para 67 anos da idade mínima para as pessoas terem direito ao Medicare, também correm o risco de desagradar a muitos dos partidários de Obama.
"Parecer um centrista é uma coisa, mas Obama também precisa tomar cuidado com seu flanco esquerdo. Ele está andando numa corda bamba, de modo que tudo realmente depende de como for o acordo", diz Duffy. "Em última análise, querem evitar a moratória e querem um acordo no qual possam dar a impressão de terem ganhado mais do que perderam."
Mesmo assim, Obama precisa conquistar a adesão de mais do que os democratas para conseguir alcançar um acordo. Os republicanos dizem que o grande acordo entre Obama e John Boehner, o presidente republicano da Câmara, desmoronou não em torno de divergências sobre elevar impostos, mas porque Boehner não confiava nos democratas para realizar reformas dos benefícios sociais.
O QUE ACONTECERÁ SE AS NEGOCIAÇÕES FRACASSAREM?
O secretário do Tesouro, Tim Geithner, vem há meses avisando o Congresso sobre os perigos de não ser elevado o limite permitido de endividamento dos EUA.
Mas esta semana o próprio presidente Barack Obama descreveu claramente quais seriam as consequências de um calote. Em 3 de agosto, o dia após o prazo final para ser fechado um acordo, o governo deve emitir cerca de 70 milhões de cheques, disse o presidente. "Não se tratam apenas de cheques da Previdência Social. São as pensões de veteranos de guerra, de pessoas que recebem benefícios por invalidez."
Sem um acordo, o que significará que "os cofres não estarão cheios", Obama disse que não poderá garantir que os cheques sejam enviados.
Um calote seria um pesadelo logístico, econômico e político. O governo dos EUA seria obrigado, na prática, a lançar-se em um esforço maciço de triagem para decidir quais pagamentos se disporia a fazer e quais optaria por suspender.
Os investidores internacionais em títulos de dívida, como a China, além de empresas que trabalham sob contrato com o governo e os destinatários de benefícios previdenciários, pensões e outros benefícios, todos teriam que ser postos na fila em função de algo que o Centro de Política Bipartidária, um instituto de estudos de Washington, estima que equivaleria a um corte imediato e automático de 45% nos gastos do governo.
Essa retração fiscal dramática, somada ao aumento dos custos de novos empréstimos contraídos, de uma provável queda na confiança dos consumidores e da perda da valiosa classificação de crédito AAA, poderia mergulhar os EUA em uma nova recessão. Isso teria repercussões graves para o resto do mundo.
O nível de desconfiança política está tão alto que muitos republicanos -- entre eles Michele Bachman, bem cotada potencial candidata à Casa Branca em 2012 -- afirmam que a administração está apenas usando uma tática de tentar espalhar o medo. Juntamente com outros membros direitistas do movimento Tea Party, esses republicanos afirmam que o prazo final de 2 de agosto é um mito e que o governo pode, sim, pagar os juros sobre seus empréstimos sem dar um calote.
No interior da Casa Branca, as negociações não estão indo bem. Obama deixou o recinto abruptamente após uma discussão inflamada na sessão da quarta-feira.
De acordo com um democrata presente, o presidente encerrou a reunião observando que a natureza das negociações confirma o que muitas pessoas dizem a respeito de Washington.
"Já chega", ele teria dito aos presentes. "Verei vocês todos amanhã."

Nenhum comentário: