quinta-feira, 28 de julho de 2011

NOSSAS PEQUENAS LIBERDADES

Murillo de Aragão é cientista político, Via Blog do Noblat.
A caminho da alta modernidade, a liberdade deixa de ser algo amplo e um ideal a perseguir para se transformar na luta pela manutenção de pequenas liberdades.
Nossas grandes liberdades se foram, na esteira das limitações impostas pelos tempos modernos de violência, de terrorismo, de variadas proibições. Como as limitações aos hábitos/vícios de fumar e de beber.
Até mesmo de se expressar, já que qualquer opinião mais aguda pode ser interpretada como homofobia, xenofobia, racismo ou outro sucedâneo qualquer.
Não temos mais liberdade de transgredir coletivamente sem correr sérios riscos. E as liberdades menos comunitárias, digamos assim, ficaram perigosas e escassas nos dias de hoje, só podendo ser desfrutadas em ambientes privados.
Paradoxalmente, na emergência dos direitos humanos, que poderiam nos trazer ambientes mais livres e mais igualitários, o que vemos é o crescente deslocamento de nossas liberdades da esfera pública para a esfera íntima. Como uma forma de defesa da individualidade.
Na coletividade, devemos ser pasteurizados para não corrermos riscos nem
sermos ridículos. Na intimidade, podemos ser diversos e delinquentes. Daí a explosão de transgressões na internet, entre as quatro paredes e sob a trilha sonora silenciosa das teclas do computador.
Os vetores de nosso cerceamento estão no fortalecimento do Estado e na “desinstitucionalização” da violência. São fatores aparentemente divorciados, mas que se relacionam em detrimento das liberdades individuais.
O fortalecimento do Estado gerou subprodutos cristalizados em leis e regramentos que tendem a influir diretamente no comportamento humano.
Mesmo em situação de não violência, o Estado produz regras de caráter geral que implicam com as pequenas liberdades dos indivíduos.
A situação é pior em países latinos, onde o que importa é o que é permitido, e não o que não é proibido.
Como se a liberdade, para existir, tivesse que ser permitida por lei e não pudesse ser concretizada pelo simples fato de se ser cidadão.
Para piorar, cria-se o axioma “Tostines”: é mais fresquinho porque vende mais ou vende mais porque é mais fresquinho?
Ao lado do fortalecimento do poder regulatório do Estado cria-se, como uma espécie de reação, uma cultura de violência. Seja ela da criminalidade banal. Seja ela externada pelo terrorismo. Seja ela gerada pelo uso das drogas. Seja ela decorrente do culto ao uso das armas ou à ação em gangues.
A desinstitucionalização da violência seria o transbordamento do comportamento criminoso para o cotidiano. Agravado pelo acelerado crescimento das cidades.
Seremos mais violentos porque deixamos de ser livres ou seremos menos livres porque passamos a ser mais violentos? É o dilema “Tostines”.
Em troca da mera existência, abre-se mão das liberdades. Inclusive, a mais elementar delas, conforme Descartes: a liberdade de escolha.
Uma visão otimista nos guia para o pensamento confortador de que a liberdade, como produto de lutas que se iniciaram há milhares de anos, continuará a se consolidar como valor.
Uma visão menos otimista nos traz a um outro sítio. Aquele onde a liberdade, como busca de um ideal, justificará inúmeros cerceamentos e limitações, jogando o exercício pleno da liberdade a uma mera expressão de intimidades.
A ponto de ser cada vez mais atual o dito de que o preço da liberdade é a eterna vigilância, pensamento contido em diversas citações de autores ilustres: John Philpot Curran (Irlanda), Andrew Jackson, Thomas Jefferson, Wendell Phillips e, provavelmente, muitos outros.
Nas intimidades poderemos ser politicamente incorretos, xenófobos ou homofóbicos, até mesmo racistas?
Ou será que o que nos restará das liberdades é o exercício secreto de nossas cretinices, já que o mundo nos obrigará a ser escravos do politicamente correto?
Qual será a medida futura das liberdades? Serão elas delimitadas pelo interesse de quem manda ou de quem é mandado?

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