domingo, 3 de julho de 2011

Por Ricardo Kotscho, do Balaio do Kotscho, no R 7.
Itamar Franco tinha sido eleito vice de Fernando Collor, mas quando o então presidente foi cassado por práticas pouco republicanas, em 1992, chamou Lula, que tinha sido o adversário deles nas eleições de 1989, para ajudá-lo a formar o novo ministério.
A esta altura, Itamar já estava rompido com Collor e, diante do rabo de foguete que pegou, tentou montar um governo de coalizão com o PT e o PSDB - uma proeza que nem os líderes dos dois maiores partidos brasileiros nunca haviam conseguido.
Itamar era mesmo diferente, um político fora dos padrões habituais no cenário nacional.
Acompanhei Lula na viagem a Brasília para conversar com Itamar e percebi, desde o início das conversas, que o PT, derrotado em 1989, nas primeiras eleições diretas para presidente da República, não iria participar do governo Itamar, já de olho nas eleições de 1994 (o PSDB logo aderiu e acabou elegendo o sucessor).
Lula até chegou a sugerir alguns nomes para um ministério suprapartidário - lembro-me de Adib Jatene, Walter Barelli e José Serra -, mas nenhum deles era do PT.
Quando falou no nome de Serra, teve quem se espantasse, mas Itamar, com um sorriso maroto, deu a mesma explicação de Tancredo para não aceitar a indicação dele para o Ministério da Fazenda.
"Muito bom nome... Só que esse aí quer ser presidente, vai querer o meu lugar, como já disse o Tancredo...".
Dos três, só Walter Barelli, então presidente do Dieese, ligado ao PT, mas não filiado, acabou fazendo parte do governo Itamar.
Voltei com Lula a Brasília no ano seguinte, para levar ao presidente Itamar Franco o projeto de Segurança Alimentar elaborado no Instituto Cidadania pela equipe de José Gomes da Silva, pai do ex-ministro José Graziano da Silva, que acaba de ser eleito diretor-geral da FAO.
Repetiu-se a mesma história: Itamar topou adotar o projeto, que era um embrião do Fome Zero, desde que Lula indicasse alguém do PT para comandá-lo. Lula indicou novamente um nome fora do PT, o do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que não era filiado a partido algum, imediatamente aceito por Itamar.
Diante das circunstâncias, Itamar Franco acabaria fazendo um ótimo governo, deixando o Palácio do Planalto no final de 1994, com um índice de aprovação popular semelhante ao de Lula, no final do ano passado.
Foi ele, afinal, quem colocou Fernando Henrique Cardoso na Fazenda e bancou o Plano Real, que acabou elegendo o ministro como seu sucessor.
Reencontrei Itamar, já como governador de Minas, no Palácio da Liberdade, no início deste século, como repórter da Folha de S. Paulo, com a missão de entrevistá-lo e traçar um perfil do ex-presidente acidental. "Não dou entrevistas, mas se você quiser passar alguns dias comigo aqui em Minas será bem recebido", desencorajou-me o governador.
De fato, todos me trataram muito bem e, quando cruzava com Itamar em algum corredor ou evento, ele me perguntava se eu estava sendo bem tratado. "Muito bem, governador, obrigado, só falta a entrevista..."
Depois de quase uma semana de insistência, quando já tinha feito amizade com muitos dos seus colaboradores, ele topou responder a algumas perguntas por escrito. Soube mais tarde que Itamar não tinha gostado da matéria e queria saber quem me havia passado aquelas informações.
Assim era Itamar Franco, sempre meio imprevisível, instável, desconfiado de tudo e de todos, mas que acabou passando para a história como um presidente providencial, um homem probo, que nunca deixou de ser, antes de tudo, um político mineiro, embora tenha nascido num navio no litoral da Bahia.
Bobagem querer explicá-lo. Itamar era Itamar, primeiro e único.

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