quinta-feira, 30 de setembro de 2010

CLARO, COERENTE E CORRETO

PASQUALE CIPRO NETO.
Pede-se que o aluno vá além do certo e do errado, o que não exclui o domínio do "correto" na língua culta
EM 2008, a Fuvest fez questões baseadas neste texto: "No início do século 16, Maquiavel escreveu "O Príncipe", uma célebre análise do poder político, apresentada sob a forma de lições, dirigidas ao príncipe Lorenzo de Médicis. Assim justificou Maquiavel o caráter professoral do texto: "Não quero que se repute presunção o fato de um homem de baixo e ínfimo estado discorrer e regular sobre o governo dos príncipes; pois assim como os (cartógrafos) que desenham os contornos dos países se colocam na planície para considerar a natureza dos montes, e para considerar a das planícies ascendem aos montes, assim também, para conhecer bem a natureza dos povos, é necessário ser príncipe, e para conhecer a dos príncipes é necessário ser do povo'".
Eis uma das questões: "Está redigido com clareza, coerência e correção o seguinte comentário sobre o texto: a) Temendo ser qualificado de presunçoso, Maquiavel achou por bem defrontar sua autoridade intelectual, tipo um cartógrafo habilitado a desenhar os contrastes de uma região; b) Maquiavel, embora identificando-se como um homem de baixo estado, não deixou de justificar sua autoridade diante do príncipe, em cujos ensinamentos lhe poderiam ser de grande valia; c) Manifestando uma compreensão dialética das relações de poder, Maquiavel não hesita em ministrar ao príncipe, já ao justificar o livro, uma objetiva lição de política; d) Maquiavel parece advertir aos poderosos de que não se menospreze as lições de quem sabe tanto analisar quanto ensinar o comportamento de quem mantenha relações de poder; e) Maquiavel, apesar de jamais ter sido um governante em seu livro tão perspicaz, soube se investir nesta função, e assim justificar-se diante de um príncipe autêntico.
Como (mais uma vez) se vê, pede-se que o aluno vá além do certo e do errado (a Fuvest usa a palavra "correção"), mas não se exclui isso, ou seja, exige-se que o candidato tenha domínio do que é "correto", quando se trata das modalidades da língua em que se escrevem textos como o apresentado pela banca.
Posto isso, vamos ao que pede a banca. A opção "a" vai por água abaixo por duas razões: há uma impropriedade na passagem "defrontar sua autoridade intelectual" (defrontar com quem ou com o quê?); usada como nexo de comparação, a palavra "tipo" frequenta a linguagem informal, não a formal.
No item "b", também há (no mínimo) dois equívocos. O primeiro é de natureza estilística: a interposição da longa oração "Embora identificando-se como um homem de baixo estado", que distancia "Maquiavel" do verbo ("não deixou") de que é sujeito. Bastaria começar com a oração "Embora...", depois da qual se poria "Maquiavel não deixou...". O segundo está no emprego da preposição "em" antes de "cujo" ("em cujos ensinamentos lhe poderiam ser de grande valia"). O sujeito de "poderiam ser" é "cujos ensinamentos"; o "em" não cabe no caso.
No item "d", o verbo "advertir" foi usado com dois complementos indiretos ("advertir aos poderosos de que não..."). Para corrigir, basta eliminar uma das preposições ("advertir os poderosos de que não..." ou "advertir aos poderosos que..."). Há outro erro (de concordância) em "que não se menospreze as lições". No padrão formal, teríamos "que não se menosprezem as lições".
No item "e", há o mesmo problema estilístico que se vê no "b" (o sujeito -"Maquiavel"- desnecessariamente distanciado do verbo); para piorar, faltou a vírgula que encerraria a oração "apesar de jamais ter sido um governante" e evitaria o duplo sentido. Como o leitor já deduziu, a resposta é "c". É isso.

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