quinta-feira, 30 de setembro de 2010

INEXISTENTE ESTATÍSTICO

RUY CASTRO
Ouço pelo rádio do táxi que falta ao IBGE ouvir 20% da população para completar o recenseamento. Ótimo. Como estou nesses 20% que ainda não foram ouvidos ou cheirados pelos recenseadores, talvez ainda tenha uma chance de ser incorporado à dita população, reforçando com isso meu senso de identidade.
O repórter fala de outras façanhas do IBGE: já foram recenseados 17 mil e quebrados de brasileiros com mais de cem anos; viajando de bote, caiaque e piroga, conseguiram levantar a população das mais remotas comunidades indígenas de Roraima; e, agora, já sabem não apenas o número de dentes na boca do brasileiro mas o de sisos sobreviventes.
Parabéns, parabéns. Mas o fato é que, ainda longe dos cem anos e morando no Leblon -que os recenseadores podem alcançar até de helicóptero, asa delta e windsurf-, continuo a ser ignorado pelo IBGE. E como eles têm certeza sobre o número de sisos restantes do brasileiro se ainda não contaram os meus?
Na verdade, já estou habituado. Desde que saí da casa de meus pais, no Flamengo, aos 19 anos, e fui morar sozinho -ou, casado, na condição de impoluto chefe de família-, nunca fui recenseado. Não é que não me lembre. Posso garantir que, nos últimos cinco censos, jamais um recenseador se apresentou a mim e perguntou sobre estado civil, renda familiar, preferência clubística ou número de pessoas em casa, incluindo os gatos.
Pelo menos, o fato de estar vivendo uma longa vida à margem das estatísticas não me tornou mais ectoplásmico ou menos brasileiro. Em 1970, o Brasil tinha 90 milhões em ação, e eu era um deles. A 31 de dezembro de 1999, 3 milhões de pessoas foram saudar em Copacabana a chegada do ano 2000, e eu estava lá. Hoje, sou um dos 3% de brasileiros que não usam celular. À falta do IBGE, tudo isso me leva a crer que eu sou eu.

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