Por Carlos Chagas.
Vale, por um dia, começar além da política nacional, arriscando um mergulho lá fora. O que continua a acontecer na Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda e até na França, onde multidões de jovens estão indo para as ruas, enfrentando a polícia e depredando tudo o que encontram pela frente? Tornam difícil a vida do cidadão comum, não só em Atenas, Lisboa, Madri, Dublin e Paris, mas em muitas cidades desses países. Por que?
É preciso notar que o protesto vem das massas, começando pelas massas excluídas, de desempregados, de negros, árabes, turcos e demais minorias que buscaram na Europa a saída para a fome, a miséria e a doença onde viviam, mas frustraram-se, cada vez mais segregados, humilhados e abandonados. Exatamente como em seus países de origem. Mas a onda de inconformismo atinge com igual intensidade jovens da classe média.
Não dá mais para dizer que essa monumental revolta é outra solerte manobra do comunismo ateu e malvado. O comunismo acabou. Saiu pelo ralo. A causa do que vai ocorrendo repousa precisamente no extremo oposto: trata-se do resultado do neoliberalismo. Da consequência de um pérfido modelo econômico e político que privilegia as elites e os ricos, países e pessoas, relegando os demais ao desespero e à barbárie. Porque sempre que se registra uma crise econômica nas nações neoliberais, a receita é a mesma, seja na França ou na Grécia, em Portugal, na Irlanda ou na Espanha: medidas de contenção anunciadas para reduzir salários, cortar gastos públicos, demitir nas repartições e nas fábricas, aumentar impostos e taxas.
Fica evidente não se poder concordar com a violência. Jamais justificá-la. Mas explicá-la, é possível. Povos de nações e até de continentes largados ao embuste da livre concorrência, explorados pelos mais fortes, tiveram como primeira opção emigrar para os países ricos. Encontrar emprego, trabalho ou meio de sobrevivência. Invadiram a Europa como invadem os Estados Unidos, onde o número de latino-americanos cresce a ponto de os candidatos a postos eletivos obrigarem-se a falar espanhol, sob pena de derrota nas urnas. O diabo é que o mal antes restrito aos imigrantes hoje atinge os naturais de todas as regiões.
Preparem-se os neoliberais. Os protestos não demoram a atingir outras nações ricas. Depois, chegarão aos ricos das nações pobres. O que fica impossível é empurrar por mais tempo com a barriga a divisão do planeta entre inferno e paraíso, entre cidadãos de primeira e de segunda classe. Segunda? Última classe, diria o bom senso.
Como refrear a multidão de jovens sem esperança, também de homens feitos e até de idosos, relegados à situação de trogloditas em pleno século XXI? Estabelecendo a ditadura, corolário mais do que certo do neoliberalismo em agonia? Não vai dar, à medida em que a miséria se multiplica e a riqueza se acumula. Explodirá tudo.
Fica difícil não trazer esse raciocínio para o Brasil. Hoje, 40 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza, sobrevivendo com a metade desse obsceno salário mínimo que querem elevar para 540 reais. Os bancos lucram bilhões a cada trimestre, enquanto cai o poder aquisitivo dos salários. Isso para quem consegue mantê-los, porque, apesar da propaganda oficial, o desemprego continua presente. São 15 milhões de desempregados em todo o país, ou seja, gente que já trabalhou com dignidade e hoje vive de biscates, ou, no reverso da medalha, jovens que todos os anos gostariam de entrar no mercado sem nunca ter trabalhado.
Alguns ingênuos imaginam que o bolsa-família e sucedâneos resolveram a questão, mas o assistencialismo só faz aumentar as diferenças de classe. É crueldade afirmar que a livre competição resolverá tudo, que um determinado cidadão era pobre e agora ficou rico. São exemplos da exceção, jamais justificando a regra de que, para cada um que obtém sucesso, milhões continuam na miséria.
Seria bom o governo Dilma olhar para fora. O rastilho pegou e não serão as polícias que vão apagá-lo. Ainda que consigam num dia, no outro reacenderão maiores e mais fortes os protestos. Na Europa, nos Estados Unidos e especialmente entre nós.
A globalização tem, pelo menos, esse mérito: informa em tempo real ao mundo que a saída deixada às massas encontra-se na rebelião. Os que nada tem a perder já eram maioria, só que agora estão adquirindo consciência, não só de suas perdas, mas da capacidade de recuperá-las através do grito de "basta", "chega", "não dá mais para continuar".
Não devemos descrer da possibilidade de reconstrução. O passado não está aí para que o neguemos, senão para que o integremos. O passado é o nosso maior tesouro, na medida em que não nos dirá o que fazer, mas precisamente o contrário. O passado nos dirá sempre o que evitar.
Evitar, por exemplo, salvadores da pátria que de tempos em tempos aparecem como detentores das verdades absolutas, donos de todas a soluções e proprietários de todas as promessas.
É preciso notar que o protesto vem das massas, começando pelas massas excluídas, de desempregados, de negros, árabes, turcos e demais minorias que buscaram na Europa a saída para a fome, a miséria e a doença onde viviam, mas frustraram-se, cada vez mais segregados, humilhados e abandonados. Exatamente como em seus países de origem. Mas a onda de inconformismo atinge com igual intensidade jovens da classe média.
Não dá mais para dizer que essa monumental revolta é outra solerte manobra do comunismo ateu e malvado. O comunismo acabou. Saiu pelo ralo. A causa do que vai ocorrendo repousa precisamente no extremo oposto: trata-se do resultado do neoliberalismo. Da consequência de um pérfido modelo econômico e político que privilegia as elites e os ricos, países e pessoas, relegando os demais ao desespero e à barbárie. Porque sempre que se registra uma crise econômica nas nações neoliberais, a receita é a mesma, seja na França ou na Grécia, em Portugal, na Irlanda ou na Espanha: medidas de contenção anunciadas para reduzir salários, cortar gastos públicos, demitir nas repartições e nas fábricas, aumentar impostos e taxas.
Fica evidente não se poder concordar com a violência. Jamais justificá-la. Mas explicá-la, é possível. Povos de nações e até de continentes largados ao embuste da livre concorrência, explorados pelos mais fortes, tiveram como primeira opção emigrar para os países ricos. Encontrar emprego, trabalho ou meio de sobrevivência. Invadiram a Europa como invadem os Estados Unidos, onde o número de latino-americanos cresce a ponto de os candidatos a postos eletivos obrigarem-se a falar espanhol, sob pena de derrota nas urnas. O diabo é que o mal antes restrito aos imigrantes hoje atinge os naturais de todas as regiões.
Preparem-se os neoliberais. Os protestos não demoram a atingir outras nações ricas. Depois, chegarão aos ricos das nações pobres. O que fica impossível é empurrar por mais tempo com a barriga a divisão do planeta entre inferno e paraíso, entre cidadãos de primeira e de segunda classe. Segunda? Última classe, diria o bom senso.
Como refrear a multidão de jovens sem esperança, também de homens feitos e até de idosos, relegados à situação de trogloditas em pleno século XXI? Estabelecendo a ditadura, corolário mais do que certo do neoliberalismo em agonia? Não vai dar, à medida em que a miséria se multiplica e a riqueza se acumula. Explodirá tudo.
Fica difícil não trazer esse raciocínio para o Brasil. Hoje, 40 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza, sobrevivendo com a metade desse obsceno salário mínimo que querem elevar para 540 reais. Os bancos lucram bilhões a cada trimestre, enquanto cai o poder aquisitivo dos salários. Isso para quem consegue mantê-los, porque, apesar da propaganda oficial, o desemprego continua presente. São 15 milhões de desempregados em todo o país, ou seja, gente que já trabalhou com dignidade e hoje vive de biscates, ou, no reverso da medalha, jovens que todos os anos gostariam de entrar no mercado sem nunca ter trabalhado.
Alguns ingênuos imaginam que o bolsa-família e sucedâneos resolveram a questão, mas o assistencialismo só faz aumentar as diferenças de classe. É crueldade afirmar que a livre competição resolverá tudo, que um determinado cidadão era pobre e agora ficou rico. São exemplos da exceção, jamais justificando a regra de que, para cada um que obtém sucesso, milhões continuam na miséria.
Seria bom o governo Dilma olhar para fora. O rastilho pegou e não serão as polícias que vão apagá-lo. Ainda que consigam num dia, no outro reacenderão maiores e mais fortes os protestos. Na Europa, nos Estados Unidos e especialmente entre nós.
A globalização tem, pelo menos, esse mérito: informa em tempo real ao mundo que a saída deixada às massas encontra-se na rebelião. Os que nada tem a perder já eram maioria, só que agora estão adquirindo consciência, não só de suas perdas, mas da capacidade de recuperá-las através do grito de "basta", "chega", "não dá mais para continuar".
Não devemos descrer da possibilidade de reconstrução. O passado não está aí para que o neguemos, senão para que o integremos. O passado é o nosso maior tesouro, na medida em que não nos dirá o que fazer, mas precisamente o contrário. O passado nos dirá sempre o que evitar.
Evitar, por exemplo, salvadores da pátria que de tempos em tempos aparecem como detentores das verdades absolutas, donos de todas a soluções e proprietários de todas as promessas.
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