terça-feira, 12 de julho de 2011

Por Emir Sader, na Carta Maior.
As desventuras e a alegria de viajar pela América Latina
Ir do Brasil a El Salvador, com troca de avião em Lima. Ir à Republica Dominicana via Miami. Ir a La Paz, a capital do país, desde qualquer lugar, tendo que trocar de avião em Santa Cruz de la Sierra (mesmo com a companhia estatal, a Boa).
Nem pense em ir a lugares como Quito o Montevideo, porque é necessário fazer uma enorme quantidade de malabarismos de aeroportos, trocas de aviões, trânsito – com as esperas, os cancelamentos e os atrasos respectivos e os correspondentes riscos multiplicados de perda das malas, se você faz a bobagem, da qual pode se arrepender por vários meses, de despachar as malas. Quem viaja constantemente deve reservas vários dias ao ano das suas vidas para esperar malas, que podem tardar vem mais de uma hora ou não chegar nunca, para nossa decepção quando as malas vão rareando, as pessoas pegando as suas e indo embora, até que ficamos solitários e desolados diante da esteira vazia, que começa a parar, indicando que se deve dirigir ao balcão de reclamações de bagagens perdidas.
Começa ai um longo périplo – que pode demorar alguns meses – de preenchimento de formulários, de escolha de qual das dezenas de malas de formatos muito parecidos, se assemelha a infeliz mala perdida qual cachorrinho levado pela carrocinha. Incalculável
numero de telefonemas, em que se dá, cada vez, várias vezes os nosso dados pessoais, o itinerário a data da viagem, as vezes o lugar em que se viajou, e a senha mágica que nos deram, frequentemente composto de intermináveis números e letras, em que não fica claro quando é o numero zero ou a letra O, quando as letras são maiúsculas ou minúsculas. Mas se termina tendo familiaridade com aquela maldita senha, que suposta nos levara ao reencontra feliz com a pobre e abandonada mala perdida. Se começa cada vez tudo de novo, como se estivesse começando o procedimento e quando se acredita que se individualiza alguém que já nos atendeu varias vezes, nos relatam que a tal persona, que era o passe para relação mais personalizada, está de férias ou já não trabalha naquele setor ou naquela companhia.
Por alguma razão incompreensível alguns países pedem certificado de vacina que, uma vez conseguido, nem nos pedem. Já tive que adiar uma viagem por 24 horas enquanto se conseguia uma autorização especial para eu viajar sem o certificado – ele vale por 10 anos, mas tem que a vacina tem que ser tomada 40 dias antes – e quando finalmente cheguei esbaforido no dia seguinte ao previsto, correndo diretamente para fazer a conferência para um auditório cheio de estudantes muito ansiosos, nem me pediram o certificado. Tive vergonha e pena de dizer isso aos que tinham se desdobrado durante aquelas 24 horas para que eu pudesse finalmente entrar no país.
Outra vez eu só soube quando ia retornar ao Brasil que deveria ter tirado o certificado no Brasil antes de ir. Na véspera de retornar fui ao consulado brasileiro e um simpático funcionário me deu a chave: um centro de saúde em que se pagava para ter o certificado e a funcionaria dava o certificado com os devidos 40 dias de antecipação, data evidentemente anterior à do meu ingresso no país, data em que eu não estava naquele país. Mas funcionou tudo conforme os requerimentos.
Mas a América Latina piorou no chamam de tráfego aéreo – que a gente só vê na hora de subir e de descer, com aquelas demoras anunciadas simpaticamente pelos pilotos, dizendo que somos o numero 18 na fila para decolar ou que temos que ficar dando voltas em torno do Galeão por um tempo indeterminado, devido ao “congestionamento do tráfego aéreo”.
Piorou porque a Iberia – uma verdadeira devoradora de companhias aéreas – comprou a Viasa, até ali uma boa companhia aérea venezuelana e a quebrou. A Venezuela ficou sem companhia aérea nacional, agora o governo de Hugo Chavez, com grande esforço está construindo, a duras penas, uma. O mesmo a Iberia fez com a Aerolineas Argentinas, comprada pela insaciável cia. espanhola, que a devolveu quebrara para o governo argentino, que teve que estatizá-la e a mantem viva, com grande dificuldades, viva.
Mas tudo isso vale a pena, pela beleza e pelas extraordinárias experiências politicas que vários países do continente estão vivendo, tanto em processos de democratização econômica e social interna, como de integração na contramão das companhias aéreas e enfrentando a resistência férrea delas. Como cruzar a cordilheira do Andes indo do Rio para Lima, com bolsões de neve e, de repente, despontar, majestoso, o lago Titicaca, uma aparição milagrosa de um oásis interminável no meio daquela secura de terras aparentemente inexpugnáveis. E passar por Lima, mesmo se por algumas – inevitáveis 5 horas – de esperar para seguir a San Salvador – com a consciência de que, mesmo se vai tomar posse somente no fim deste mês, o Peru vai deixar de ser governado por Fujimori, por Toledo, por Alan Garcia. Vai ter um governante com profundas raízes peruanas, que se propõe a fazer com que a economia do país continue a crescer, mas distribuindo renda, ao contrário do que aconteceu nas duas ultimas décadas, em que o pais foi pilhado por empresas extrativistas das suas riquezas minerais, com o beneplácito de governos que nem sequer esboçaram fazer com que um dos povos mais pobres do continente pudessem participar minimamente com migalhas dessa expansão.
Tudo vale a pena na América Latina, porque a nossa alma não é pequena.

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