segunda-feira, 21 de junho de 2010

HELENO SANTORO

Rodrigo Santoro volta a filmar no Brasil e diz que não liga para o que "os outros falam" - a não ser quando "inventam" que ele bebe para "entrar no personagem"

"Cadê o Heleno? Helenooo!", grita o diretor José Henrique Fonseca.
"Tô aqui!", responde Heleno, entrando no Golden Room do Copacabana Palace, no Rio, de calça azul, camisa branca, gravata, anel, relógio e pulseira de ouro e o cabelo penteado para o lado com gel. Segura o paletó em cima do ombro esquerdo. "Ai que calor. Tô derretendo!". Um maquiador retira o suor de seu rosto.
O vascaíno Rodrigo Santoro, 34, é Heleno de Freitas no longa sobre a vida do jogador de futebol que se consagrou no Botafogo, nos anos 40, e passou pelo Boca Juniors. Mineiro de classe média, formado em direito, Heleno tinha temperamento difícil -o que lhe rendeu o apelido de Gilda, a personagem de Rita Hayworth no cinema. O craque, que sofria de sífilis cerebral, teve problemas com álcool. Internado em um sanatório como louco, morreu aos 39 anos. "Não pedi pra me chamarem de Heleno. Aconteceu. Eu chego e o maquiador já fala: "Senta, Heleno". O diretor me chama de Heleno e por aí vai", diz Santoro.
"Vamos ensaiar!", pede o diretor. Em cena, Santoro e Alinne Moraes, que faz o papel da mulher do craque boêmio. "E aí, já rolou beijo?", pergunta Mariah de Freitas, maquiadora e neta verdadeira de Heleno. "Já beijaram "mooito'", diz uma cabeleireira.  A cena foi ensaiada dez vezes.
"E aí, você vai falar mal da gente?", pergunta o ator à repórter Lígia Mesquita, que assiste à filmagem. "Tem muita notícia maldosa que inventam. Nem vejo porque fico mal", diz, enquanto pega um copo de café. "Outro dia inventaram que eu bebo antes das filmagens para entrar no personagem, acredita?"
Sobre as críticas às suas pequenas participações em filmes estrangeiros -já atuou em "Che", "Cinturão Vermelho" e "300", entre outros-, afirma: "Quem está na chuva é para se molhar. São experiências. Não faço minhas escolhas pensando no que os outros vão falar".
Em "Heleno", Santoro vivencia pela primeira vez a experiência de ser produtor associado de um filme. "Estou no projeto há cinco anos. Eu estava muito a fim de fazer e via a dificuldade para viabilizar. Quando vi, estava envolvido. Não decidi ser produtor. Aconteceu."
Ele diz que bateu na porta de várias empresas para pedir ajuda. Entre elas, a EBX, do botafoguense Eike Batista, que investiu R$ 4 milhões. "Grande Eike, nosso Eike!", diz, juntando as mãos e olhando para cima. "Não foi fácil, não. Apresentamos o projeto direitinho numa reunião. Ele ajudou porque é um filme que mostra uma época maravilhosa do Rio, cidade que ele ama."
Estar do "outro lado do balcão" foi "bom para ajudar a ter uma outra visão do que é fazer cinema. Você entende como é difícil a logística, que tudo custa dinheiro. E descobre que saem problemas até debaixo do guardanapo". "Atuar e produzir é trabalhoso. Não sei se vou me aventurar de novo. No fim, sobrou pouco tempo para me dedicar ao personagem."
O ator assobia e dobra notas de dinheiro de época que a produção lhe entrega. Pega o maço de Continental, tira um cigarro e acende com o isqueiro que leva no bolso. Dá dois tragos. "Ação!". Volta à mesa onde deixou o maço. O acende-e-apaga cigarro se repete algumas vezes. "Eu não fumo e acho muito enjoativo esse cigarro", diz. "É cenográfico, feito de cacau moído. Experimenta", oferece à repórter.
"Alguém viu o Heleno?", pergunta o diretor. Heleno está em frente ao monitor, chamado de "racord", para, segundo Santoro, "arracordar", assistindo à cena que acabou de fazer. "Deus me livre ficar me vendo sempre!", diz. "Estou aqui para saber onde eu tava no plano anterior e agora onde vou ficar", diz. "Confio totalmente no Zé [José Henrique Fonseca]. Tem que confiar."
Com mais de 15 longas no currículo, Santoro diz que "nunca deixei de sentir receio, ansiedade. É normal. Cada trabalho é sempre uma nova descoberta. Gosto de partir do desconforto. É a complexidade do ser humano. A gente não se conhece". Ele mesmo fez "alguns anos de análise", mas parou por conta das viagens a trabalho.
Santoro faz uma pausa para tomar água. "Será que é de verdade?", pergunta, sobre as frutas na bandeja cenográfica. Pega uma uva, sente o cheiro e come. O apresentador Luciano Huck, no set para visitar o diretor, de quem diz ser "muito amigo", cumprimenta o ator. "Cara, tá demais isso aqui. Parabéns!". Santoro se despede. "Manda beijo pra família."
Já passam das 21h quando o diretor pede que Heleno troque de figurino. "É uma calça de vovô essa, olha só." Levanta o paletó para mostrar que a peça tem cintura alta. Ele sobe três lances de escada até o quarto do hotel improvisado como camarim. No caminho, diz que "Heleno é um mito. É o famoso cara que "nêgo" não entende e chama de louco". "A única unanimidade é que ele era um grande jogador, perfeccionista", diz, enquanto imita com os pés algumas jogadas que o craque fazia.
Algumas pessoas comparam Heleno ao ex-jogador Edmundo, o "Animal". "Mas eu não sei se tem alguém parecido." Diz não saber se falta um jogador criativo como Heleno na seleção. "Não conheço o time. Tirando uns dois, todos jogam fora do Brasil, né?"
"Ai, vou tirar um cochilo." O ator se joga na cama do quarto e solta um pouco o nó da gravata. Depois de trabalhar com grandes diretores como Steven Sorderbergh e David Mamet, diz que continua "não ganhando dinheiro com cinema". "Eu ainda nem acertei minha participação aqui nesse filme. E lá fora sou ator de sindicato, ganho pela tabela. Isso aqui é paixão."
Sem contrato com emissoras de TV "para ter liberdade de escolha", afirma que voltaria a fazer novela se "durasse um mês". Já outra participação em um seriado internacional, como o americano "Lost", vai depender "da história e da duração".
"Rô, vamos lá?" A produtora o tira da cama.
De terno marrom e cabelo jogado para o lado, agora sem gel, Santoro avisa que a próxima cena mostra "uma parte "down" do personagem" e que ele vai ficar "mais quieto". Anda de um lado para o outro em um dos salões do Copa e para diante de um espelho. De meias, sem sapatos, entra no set. "O Rodrigo está na maturidade como ator. Ele tem "pathos': paixão, excesso e catástrofe", afirma o diretor.
Às 23h30, a filmagem é encerrada. A equipe bate palmas. Rodrigo tira o paletó e chama o elevador para ir ao camarim. Na porta, tira a gravata e desabotoa a camisa. Uma corrente de ouro com a imagem de um santo fica à mostra. Ele diz que não é dele. "Tudo aqui é do Heleno. Só o corpinho é meu."

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