Há várias alternativas em jogo no debate sobre a política econômica. A ortodoxia de viés monetarista é apenas uma delas. De preferência, aquela que deveria ser descartada, caso a intenção seja a busca do desenvolvimento sócio-econômico e a redução das elevadas desigualdades ainda existentes em nosso País.
Paulo Kliass
Quem nunca ouviu falar nos inúmeros tipos de risco, supostamente envolvidos com alguma possibilidade de mudança nas regras de enriquecimento fácil no mercado financeiro? São vários os exemplos, tais como: “risco país”, “risco Brasil”, “risco Lula” (lá atrás na eleição de 2002..), “risco Evo Morales”, “risco Chavez”, “risco Grécia”e tantos outros. Os chamados “analistas do mercado”, que normalmente são chamados a dar suas opiniões aos jornalistas dos grandes meios de comunicação, gostam de deitar sua falação a respeito do tema. E disparam na linha da ameaça e da chantagem – se quiser mexer na ordem das coisas, cuidado, que o risco é grande...
O risco de buscar a rediscussão do volume e origens da dívida pública, externa ou interna – atitude que é imediatamente taxada de “calote”, medida irresponsável e perigosíssima. O risco de promover mudanças na política cambial, apesar de todos saberem que a taxa de câmbio está valorizada de forma artificial. O risco de promover discussão a respeito dos procedimentos e tarifas dos setores que envolvem serviços públicos, por licitação ou concessão, como as telecomunicações ou a energia elétrica. O risco de se alterar a orientação da política monetária, para reduzir o patamar da taxa de juros. Em resumo, a cada “ameaça de mudança”, articula-se a defesa os interesses dos poderosos e ela se faz ouvir com um brado uníssono: é
preciso respeitar os contratos! Não importa se os mesmos sejam ilegais, imorais, anti-éticos ou prejudiciais aos interesses do País e da maioria de sua população.
Uma rápida consulta ao dicionário Houaiss, nos dá algumas indicações para o significado do substantivo “risco”. Ali podemos ver “probabilidade de perigo, geralmente com ameaça física para o homem e/ou para o meio ambiente”, ou ainda “probabilidade de insucesso, de malogro de determinada coisa, em função de acontecimento eventual, incerto”. Por outro lado, o conceito de risco é também típico do mercado financeiro e de seguros, pois tem sua origem em algum tipo de avaliação estatística. No fundo, é uma probabilidade de ocorrência de algum evento, que pode significar algum ganho ou perda de natureza econômica ou financeira. E a coisa mais louca é que o próprio mercado financeiro encara essa incerteza como fonte de ganhos e especulações. E dá-lhe criação de novos “produtos’ (os operadores adoram esse eufemismo), para tentar reduzir os tais riscos. Ficou com medo de alguma mudança na política cambial? Dá-lhe a comprar títulos de câmbio no mercado futuro. Está receoso com a bolha dos preços no mercado imobiliário? Dá-lhe a repassar os perigosos contratos impagáveis de hipoteca para frente, como na recente crise do mercado financeiro norte-americano.
No entanto, a intenção desse artigo é justamente mudar o foco de preocupação do tal do “risco”. Não mais os riscos de perda econômica tão temidos pelos agentes do mercado financeiro, em função de algum tipo de mudança na esfera da política. E sim buscar compreender e avaliar os riscos a que estaria sujeito o Brasil e a maioria de sua população caso determinadas opções de política econômica fossem assumidas ou continuadas pelo próximo governo.
Apesar dos desmentidos públicos da candidata, algumas propostas de condução de política econômica já começaram a circular pelos espaços dos poderosos. Como os debates têm se pautado por uma avaliação dos resultados obtidos ao longo dos 2 mandatos de Lula, praticamente não tem havido discussão a respeito do que se pretende fazer ao longo dos próximos anos. Em termos genéricos, fala-se em dar continuidade ao trabalho feito até agora. No entanto, quando as questões concretas começam a surgir, vemos que as algumas preocupações começam a fazer sentido.
O primeiro conjunto de fatores e propostas refere-se a tudo aquilo que, por mais uma vez, corre o risco de deixar de ser feito. Já se passaram mais de 8 anos desde o lançamento da famosa Carta aos Brasileiros, quando o então candidato Lula buscava apaziguar os ânimos das chamadas “forças do mercado” e antecipava aquilo que seria a marca de em sua gestão na área da Fazenda durante o primeiro mandato. Ortodoxia absoluta nas opções de política econômica, inclusive na nomeação de alguns de seus principais assessores. E o governo deixou de implementar um conjunto de medidas que, até então, eram esperadas pela maioria. Não foi proposta uma reforma tributária para tornar nosso sistema de impostos menos regressivo. Caso continue assim, não apenas os mais pobres continuarão a pagar mais impostos em termos relativos, como a previsão do art. 153 da Constituição Federal de implantação do Imposto sobre Grandes Fortunas deverá ficar mais uma vez adiada para as calendas gregas. O mesmo pode ser dito a respeito da estruturação séria dos mecanismos de cobrança do Imposto Territorial Rural das grandes propriedades do campo. Apenas a título de comparação, o total arrecadado de ITR em todo o território do Brasil é de R$ 420 milhões, enquanto o total arrecadado de IPTU apenas no município de São Paulo é de R$ 4 bilhões.
Um dos grandes riscos da continuidade refere-se à manutenção ou mesmo ampliação do esforço para alcançar o superávit primário, superior a 3% do PIB. Ou seja, a criminosa prática de forçar a redução das despesas orçamentárias na área social, para encaminhar um caminhão de dinheiro para o pagamento de juros da dívida pública, que se aproxima a R$ 1,7 trilhão. Já há quem comece argumentar no mercado financeiro que, caso o crescimento do PIB para 2010 realmente se aproxime dos 7%, o Banco Central deverá aumentar a taxa SELIC. E para pagar os juros derivados de tal decisão, a “única” solução seria a tão propalada “austeridade fiscal”.
Tradução: corte nas despesas públicas na área social ! Sim, porque segundo essa lógica perversa, os R$ 170 bi previstos no orçamento da União de 2011 para pagamento de juros são intocáveis, pois evidenciariam um gasto público eficiente e produtivo (sic). Já as despesas com saúde, educação, previdência e que-tais, bem, essas têm de ser discutidas muito seriamente!
Outro risco grave que o País corre é a manutenção da política cambial tal como a atual. Com a enorme atratividade proporcionada pela remuneração extraordinária da taxa SELIC a 10,75% ao ano, o afluxo de capital especulativo externo e de curto prazo continua muito elevado. Com isso, há uma quantidade enorme de dólares entrando no País por essa via e a nossa taxa de câmbio continua artificialmente valorizada. Com um discurso hipócrita e demagógico contra o suposto “câmbio administrado” e contra qualquer medida que possa alterar tal “equilíbrio natural das forças da oferta e da demanda”, as chamadas “fontes do mercado” propõe-se deixar tudo como está. Ou seja, continuar a prejudicar as exportações brasileiras no exterior e a estimular todo tipo de importação do resto do mundo. E o mais triste é que a solução é relativamente simples. Basta assumir a coragem política de desestimular essa entrada de capital especulativo de curto prazo. O País não precisa dele – aliás, muito pelo contrário! O recurso externo que quiser vir para cá, é sempre bem vindo. Mas é necessário que se comprometa com uma permanência mínima ou então que se sujeite ao pagamento de algum tipo de tributo. O ingresso de recursos será, então, mais realista e menos impactado pela especulação pura e simples. Com isso, a taxa de câmbio do nosso real sofrerá uma desvalorização natural, com o estabelecimento de um novo ponto de equilíbrio menos fantasioso.
Outro risco envolvendo o sistema financeiro é o não enfrentamento da prática de “spreads” elevadíssimos – aliás, somos campeões mundiais também nesse quesito. Os bancos oficiais, como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, deveriam ser estimulados pelo Ministro da Fazenda - a quem estão subordinados - a praticarem taxas mais adequadas à necessidade nacional e não na perspectiva de competir com as instituições da banca privada. Exatamente por serem as maiores instituições financeiras do País, caso mudassem sua prática para taxas e tarifas mais reduzidas, com toda a certeza forçariam seus concorrentes a seguirem o mesmo caminho. Mas não foi à toa que o ex-presidente internacional do Bank of Boston, Henrique Meirelles já está por quase 8 anos à frente do órgão que deveria, em tese, regular e fiscalizar o mercado financeiro – o Banco Central.
Outro ponto sensível refere-se à condução a ser dada a um processo que foi cautelosamente engavetado há 4 anos. Trata-se da medida de liberalização de um setor altamente rentável do mercado financeiro: o resseguro. O desenho institucional em nosso País sempre apresentou uma entidade pública federal que monopolizava tais operações, o Instituto de Resseguros do Brasil - IRB, desde a sua criação por Getúlio Vargas. Durante o primeiro mandato de Lula optou-se por abrir o mercado para os grupos privados, inclusive os 4 gigantes oligopolistas que dominam o mercado internacional. E a intenção era “preparar” o IRB para ser privatizado. As mudanças no Ministério da Fazenda colocaram tal projeto em banho-maria, mas é sempre bom ficar atento, pois continuam enormes as pressões para oferecer esse maravilhoso filé à gulodice do ganho fácil desse setor do sistema financeiro.
Finalmente, outra preocupação surge quando o tema é a Previdência Social. As idéias que setores do mercado financeiro sempre apresentaram como solução para o nosso sistema público de pensões e aposentadorias são polêmicas e perigosas. Logo no início do primeiro mandato, conseguiram convencer Lula a encaminhar aquelas propostas de reforma previdenciária, que provocaram alto custo político para o governo e acabaram sem trazer nenhum retorno positivo, nem mesmo na esfera das finanças públicas. Como a lógica era apenas a das “maldades”, a reação social foi de tal ordem que o governo optou por nem implementar as necessárias medidas de regulamentação. Em seguida, surge uma outra panacéia para resolver o chamado “déficit crônico” do INSS. Tudo muito “simples”: bastaria mudar a fonte de financiamento da Previdência Social, as fontes de receita – e pronto! Ao invés de incidir sobre a folha de pagamento, a parcela de contribuição das empresas seria obtida a partir de uma alíquota a incidir sobre o faturamento das mesmas. Um verdadeiro salto no escuro, muito arriscado. E seria também uma ótima maneira de fugir do debate, uma forma de não enfrentar as contas da Previdência. Certamente que o sistema necessita aperfeiçoamentos (pretendo escrever um artigo apenas sobre esse tema). A pirâmide demográfica tem mudado ao longo das últimas décadas: a população tem vivido mais (essa conquista social é vista como um problema pela ótica estreita dos financistas) e a participação das gerações mais novas é menor em relação ao passado recente. No entanto, é preciso chamar a atenção para o fato de que os números divulgados mensalmente a respeito de um suposto “déficit insustentável” do INSS precisam ser melhor explicados. Ali estão incluídas as despesas com o sistema da aposentadoria rural, por exemplo. E essa foi uma importante e justa decisão da Constituinte de 1988. Qual seja, de reconhecer o direito dos trabalhadores do campo aos benefícios do sistema previdenciário e promover sua inclusão – uma questão de cidadania. Assim sem ter contribuído para o INSS, eles e suas famílias passaram a usufruir de aposentadorias e pensões de 1 salário mínimo, que não são a causa da tão alardeada “quebra” da previdência. Por outro lado, há dezenas e dezenas de bilhões de reais que não entram no caixa do Tesouro por sonegação ou fraude das empresas. Há outro tanto que não entra por que algumas empresas e instituições contam com benefícios especiais de isenção ou são consideradas filantrópicas. Tudo isso provoca redução de receita, mas não pode ser considerado como culpa do INSS! A questão é bem mais complexa e as soluções devem ser bem amadurecidas e discutidas antes de implementadas.
Com o resultado das eleições praticamente definido, cabe esperar que as opções a serem feitas pela futura Presidenta não contribuam para se perder outra oportunidade histórica. Para todas as questões a serem enfrentadas na área da política econômica, todos sabemos que há várias alternativas em jogo. A ortodoxia econômica, de viés monetarista, é apenas uma delas. De preferência, aquela que deveria ser descartada, caso a intenção seja a busca do desenvolvimento sócio-econômico, a melhoria das condições de vida da maioria da população e a redução das elevadas desigualdades ainda existentes em nosso País.
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