sábado, 11 de setembro de 2010

O MEU CORINTHIANS

Por Sócrates.
Solito foi um de nossos companheiros na democracia corintiana. Ele e o irmão, o que poderíamos considerar quase um caso de nepotismo. Mais ou menos como a história do Pelé com seu irmão Zoca. De qualquer forma, é um excelente caráter e foi um grande goleiro. Mas naquele ano de 1983, ele estava na reserva. Foi quando protagonizou um dos momentos mais marcantes daquele período.
Era véspera do escrutínio mais importante da história do Corinthians, estava em jogo a preservação de um novo modo de gerir o futebol: a ativa participação dos atletas e a democratização das decisões, com liberdade e responsabilidade. Para vencermos, era necessário conquistar a maioria dos votos dos sócios e eleger a metade do conselho. Os conselheiros vitalícios (a outra metade) eram, na sua maioria, de oposição.
Democrático.
Difícil! Nosso adversário – Vicente Matheus – era uma lenda viva no clube, onde raramente fora derrotado. Quase todos os jogadores também eram sócios, o que nos dava uma dupla responsabilidade. Wladimir e Zé Maria se candidataram. Houve muita especulação sobre a minha presença na lista de candidatos, mas não podia abrir mão de minhas convicções – eu rejeitava o método indireto de eleições. Sempre lutei pelo voto direto e continuo a acreditar ser esse o melhor meio de avaliação democrática. Com
ele respeita-se a alternância de poder, tão necessária, principalmente naqueles tempos de ditadura militar.
Maiúsculo.
Não me afastei da luta, usei, isto sim, todas as armas que possuía. Era a minha alma que estava envolvida naquele processo. Decidi e tornei público que, se por acaso perdêssemos, nunca mais jogaria no clube. Era definitivo. Quando se iniciou o processo eleitoral no Corinthians, avaliou-se que a disputa seria muito equilibrada. Todo voto seria fundamental para aumentar as chances de vitória. Como ocorre nessas condições, até os mais velhos e doentes eram contemplados com visitas, na tentativa de atraí-los para um lado ou para o outro. A polêmica ultrapassou os portões do clube. Era uma instituição democrática que estava em jogo. E as forças reacionárias entraram para valer. Às nossas cores se somaram todos os setores progressistas da sociedade: sindicatos, partidos de esquerda, formadores de opinião e muitos mais.
Obstinado.
O dia a dia do clube estava pegando fogo. Nunca houve uma eleição para presidente de clube esportivo com tamanho grau de politização. Chegou a semana decisiva. No dia da eleição, um domingo, tínhamos jogo no Rio de Janeiro. Durante a semana, promovemos uma grande discussão acerca da data em que deveríamos viajar para o jogo no Maracanã. Era de interesse dos mais envolvidos na questão eleitoral ficar em Sampa até o último momento, para que pudéssemos votar e fazer a boca de urna.
Terno.
Teríamos tempo suficiente para realizar as duas missões. Outros estavam reticentes. Aproximadamente, a metade dos companheiros não queria ou tinha medo de enfrentar a questão de frente, arriscar-se a perder a partida e ser criticado por isso. Como se o fato de viajarmos no dia anterior ao jogo aumentasse as possibilidades de vitória. Percebemos a indefinição do quadro, passamos a semana tentando convencê-los de que a prioridade era a disputa eleitoral, a qual, aliás, definiria o nosso futuro. Resolvemos, como sempre, levar a questão ao voto. Dois dias antes da partida, com o estádio cheio de torcedores que ali estavam para assistir ao treino e viver o clima das eleições, nos reunimos no meio do campo.
Altaneiro.
Atletas, comissão técnica, massagistas, roupeiros e diretores se reuniram mais uma vez para decidir. Que maravilha! Um a um, fomos colocando nossos votos e as razões para a escolha. Nenhuma posição se destacava. Seu Paulo, o roupeiro, se absteve, talvez por respeito aos mais novos. Até que chegamos ao último sufrágio… empatados! Adivinhem a cara do Solito, quando todos se voltaram para ele. Acuado, ele sussurrou: sábado! Foi a mais equilibrada disputa que tivemos e a derrota mais bela. Até porque vencemos as eleições presidenciais.
Divino
Deus não tem idade. O Corinthians é muito maior que a idade que possa ter; é um símbolo, uma essência, um sentimento. É claro que o centenário tem um valor simbólico e as pessoas se reúnem em torno desse símbolo. Mas isso é secundário à importância que tem alguma coisa capaz de agregar tanta gente de origens absolutamente distintas.
E sobre o centenário, falei o seguinte ao meu amigo Vitor Birner: “Não vejo o Corinthians com idade. É como Deus”.

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