Portinari - mulher crianças |
Por Brizola Neto.
Gabriel, tu chegas com nome e alma de anjo a este mundo cheio de maldades e pecados, ante o qual, um dia, como ao arcanjo te batiza, te caberá tomar da espada e enfrentar. Vais te machucar, vais te ferir, vais ter momentos que engolirá tuas lágrimas para que elas não molhem teus pés e o façam escorregar do seu caminho. Vais, um dia, porém, ter um filho ou um neto que já não precise combater como tu e como nós que viemos antes de você.
Teus combates, porém não serão tão desiguais quanto os que foram e são os de tua mãe, os de tua avó e os de todos que antes dele suportaram o peso da espada flamejante da justiça e da liberdade.
Queria dizer a ti como à minha Maria Clara, o que Vinícius quis dizer ao escrever “menininha, não cresça mais não”. Mas não seria verdade e a verdade é a única bússola, é o único norte, a única e brilhante montanha que nos orienta ao caminhar em meio às desumanidades, às dores, ao sofrimento que vicejam como flores podres da maldade, da ganância, da falta de amor fraterno.
Queria a ti – como a toda criança rica, pobre, negra ou branca, que nasce neste país – trazer-te incenso e mirra, porque Gabriel, João, Maria e todas elas brotam anjos, a quem o mundo impiedosamente vai podando as asas e, às vezes, até o desejo de voar.
Só posso, porém, ajudar a dar-te o presente que sua avó procura dar a ti e a todos que desabrocham nesses dias de suas mães em botão. Você e eles são novas cintilações no universo, mas também serão homens e mulheres que um dia olharão o céu e terão desejo de tocar numa estrela. Não importa que a distância seja impossível, que tuas mãos sejam incapazes de tocá-las. O imprescindível, Gabriel é que teu espírito as busque e teus joelhos não toquem o chão senão por assombro. Que tu nunca aceites as grades de que um homem é feito pra esquecer de voar, como verso de Francis Hime.
Nem eu e nem você temos ou teremos idéia das dores que os que vieram antes de nós suportaram em nome da vida e em nome de um futuro onde eles não estarão, mas onde você os josés, os joões e a minha Clarinha habitarão.
Tu e eles compensam, hoje, em décuplo, choros, dores, angústias, medo, injustiças e brutalidades sofridas. Porque ao te colocarem no colo, tu não pesarás, tu aliviarás nossos pesos. Porque teu aparecimento não nos lembra a nossa própria finitude, mas a continuidade.
O nascimento é a única imortalidade que a alma humana consegue conceber, pois significa que há mais alguém, que há muitos alguéns, para conduzir o sonho que tantas vezes ficou mais forte dos que as nossas costas podem suportar.
Vai, guri, com teu nome de Gabriel, aquele que vela o sono divino, cumprir tua primeira missão. Que sejas, com teus risos e choro de bebê, o alento de que precisa e que merece tua avó combatente. Tu não sabes o quanto ela precisa dele, nos embates finais da batalha em que em que ela lidera o povo brasileiro. Não tens consciência disso, mas um dia ela te dirá.
É da vida que brota a vida, é da escuridão que brota a luz, é de ti Gabriel, João, José, Maria Clara que nos vêm a força para enfrentarmos o nosso destino.
Bem-vindo Gabriel! Tu és mais um entre milhões de meninos e meninas deste país pelos quais nem precisamos jurar que iremos lutar. Porque essa luta, como estavas tu até ontem, está nas nossas próprias entranhas e como fizeste tu, hoje, sai de lá com a forma, um nome e a pureza de anjo que tu tens.
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