Marcos Coimbra
A premissa da democracia eleitoral, na sua acepção contemporânea, é a liberdade do eleitor para definir seu voto. Cada umfaz o que quer com ele. Consulta a consciência, toma sua decisão e a deposita na urna (no Brasil, digita o número de seu escolhido).
Uns não são mais livres que outros. Ninguém é obrigado a votar como os demais e nem a selecionar seus preferidos da mesma maneira que os outros.
Não cabe discutir critérios de escolha. Não existe o modo certo de votar e o errado. Algumas pessoas definem seu voto levando em conta elementos que outras desconsideram. É possível que uns pensem ser fundamental algo que outros têm certeza que é irrelevante. Só os muito arrogantes acham que todos deveriam usar o critério deles.
Daqui a três dias, faremos uma eleição presidencial diferente das anteriores. Nela, os eleitores estão sendo convidados a pensar de uma nova maneira: avaliar os candidatos pelo que representam e não pelo que são no plano pessoal.
Nossa cultura política sempre privilegiou a personalidade e as características pessoais dos candidatos como elementos diferenciadores na tomada das decisões de voto. Até hoje, quando se pergunta, nas pesquisas de opinião, o que é mais
importante na hora de escolher determinado indivíduo para um cargo (especialmente no Executivo), a maioria dos entrevistados responde sem titubear: a pessoa do candidato.
Essa primazia da dimensão individual leva a que as campanhas se transformem em passarelas nas quais os candidatos desfilam, disputando os olhares e as preferências. Qual o mais preparado? Quem fala melhor?Qual o mais preocupado com os pobres, o mais maduro, o mais honesto? É um modelo de decisão ingênuo e estressante para o eleitor comum. Que certeza pode ter de que consegue enxergar o íntimo dos candidatos, seus verdadeiros sentimentos? Comoescolher, se todos se metamorfoseiam naquilo que procura? Se todos se exibem de maneira parecida e falam coisas praticamente idênticas (pois todos mandam fazer pesquisas de posicionamento e se orientam por elas)? Como separar o joio do trigo, o bom candidato do mau? Nestas eleições, muita gente ainda pensa dessa maneira, mas há uma nova, posta na mesa pelo principal ator de nosso sistema político. Nela, o foco da escolha deixa de ser o artista e passa a ser a obra.
Por muitas razões, Lula foi levado a apresentar essa proposta ao eleitorado.Talvez porque não tivesse, do seu lado, a opção da candidatura de um notável, talvez porque calculasse que teria mais sucesso desse modo, ele terminou propondo uma mudançana lógica da escolha. Emvez de cotejar biografias e personalidades, que a eleição fosse uma comparação dos resultados obtidos pelos partidos no exercício do poder.
Goste-se ou não de Lula, essa proposta é uma inovação em nossa cultura. Ela oferece uma base racional para a escolha, na qual várias ilusões saem de cena. O mito do herói solitário, do candidato do bem, capaz de reformar sentimentos e prioridades, é apenas um, mas dos mais importantes. Chegou a eleger um presidente há 20 anos.
A candidatura deDilma foi sempre o inverso disso.
Ela convocou as pessoas a considerá-la pelo que representava, não por seus atributos pessoais. Sua mensagem era clara: Olhe para o que proponho, para quem está comigo, para o que fizemos no governo, de certo e de errado. Faça o mesmo com meu adversário principal. Compare e decida.
Serra começou a campanha acreditando que os eleitores continuariam a pensar com omodelo de antes, baseado na disputa de biografias. Sua experiência e história bastariam para elegê-lo, se isso ocorresse.
Visivelmente, a hipótese não se confirmou. A vasta maioria do eleitorado até admite que seu currículo é melhor que o deDilma. Mas pensa em votar levando em conta outros fatores.
Nestes últimos dias, uma nova encarnação da forma antiga de escolher está em voga: a onda Marina.
Ela tem tudo que conhecemos de algumas candidaturas do passado: a solidão, a sinceridade, a boa vontade. Perguntada sobre como governaria, é franca: com os bons dos dois lados. Ou seja, está sozinha.
Só um romantismo quase pueril acreditaria que é possível governar assim. Mas é tão arraigada a fantasia a respeito das pessoas de bem que mudam o mundo da política que muita gente, especialmente na classe média metropolitana, se seduz por ela.
O povão, mais realista, olha isso tudo com descrença.
Marcos Coimbra, sociólogo, preside o Instituto Vox Populi e escreve para o ‘Estado de Minas’.
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