segunda-feira, 27 de setembro de 2010

"Lula e Dilma: a memorável aliança e a construção da cidadania e de um país soberano"
Por Ignacio Godinho Delgado.
O êxito do processo de capitalização da Petrobrás é muito mais significativo do que uma mera operação bem sucedida no mercado de capitais. Weber assinalou, certa feita, que a ascensão do capitalismo moderno teve como uma de suas fontes a memorável aliança entre o Estado e as forças capitalistas, que permitiu tanto a consolidação dos espaços econômicos nacionais, quanto a projeção externa das empresas de origem nacional, em meio à interação e à disputa entre os Estados Nacionais Modernos. Noutro lugar, enfatizou que a Nação é uma comunidade de sentimento que aspira construir um Estado. No limite, pode-se afirmar que tal comunidade de sentimento é o pano de fundo e a base de sustentação dos elos entre a memorável aliança indicada acima e a inclusão dos “de baixo” à esfera da cidadania que, modernamente, representa aquele status compartilhado, de que falava Marshall, circunscrito ao âmbito nacional. Talvez no futuro venhamos a
assistir à afirmação de uma cidadania global, todavia é difícil imaginar que a inclusão nesta não se verifique através da mediação de Estados Nacionais poderosos, espaço em que se afirmam, também, empresas nacionais poderosas, capazes de liderar a consolidação dos espaços nacionais que as abrigam e projetar-se para fora deles.
Nosso processo de desenvolvimento por substituição de importações não logrou a constituição de grandes empresas privadas capazes de significativa projeção externa, além de tornar o espaço econômico nacional objeto de renhida competição por parte de empresas multinacionais, em proporção e liberalidade inauditas Os padrões miméticos do desenvolvimento, assinalados por Celso Furtado, por seu turno, tornaram rarefeita a disposição inovativa das empresas nacionais, circunscrita a poucos casos na esfera privada e, em sua
maior parte, às empresas públicas. Sempre foram, pois, frágeis as bases materiais capazes de dar corpo à memorável aliança assinalada por Weber.
Com o processo de privatização na década de 1990, tais bases estiveram perto da mais absoluta erosão. Simultaneamente, uma desastrada, conquanto incompleta, reforma gerencial do Estado brasileiro inibiu seu desenvolvimento rumo a um ordenamento meritocrático weberiano, adicionando ao velho clientelismo dos cargos comissionados, formas modernas de predação, materializadas na farra das consultorias. Para muitos, assinalar os riscos de acentuação da subalternidade aos centros internacionais de decisão que tal processo acarreta pode parecer passadista. Contudo, não existe caso algum no planeta em que a afirmação de algum protagonismo do Estado Nacional na esfera global e a criação de uma sólida estrutura industrial capaz de combinar crescimento econômico e capacidade de inovação não esteve associada à presença de fortes empresas nacionais. Empresas nacionais e Estados nacionais fortes se complementam. Estados nacionais fortes e empresas nacionais fortes garantem o instrumento e o substrato material para a conquista de direitos sociais e a inclusão dos de baixo na cidadania moderna, favorecendo a construção da comunidade de
sentimento que erige uma Nação.
Sob o governo Lula não se conteve de forma plena o movimento de desnacionalização da economia brasileira, nem tampouco se procedeu a uma reforma administrativa que dirimisse os fundamentos estruturais do clientelismo, do nepotismo e outras pragas reveladoras de nossa modernização incompleta no âmbito do Estado. Episódios como estes, que envolvem a família de Erenilce Guerra, temperados com a utilização do lobismo, atestam isto. No âmbito da lei, devem ser apurados e punidos de forma rigorosa. Todavia, é uma enorme hipocrisia da oposição, da mídia oposicionista e do udenismo golpista bem pensante atribuir tais ocorrências a um DNA petista ou ao aparelhamento do Estado. Seria um exercício inútil rememorar episódios equivalentes a este e de mais grosso calibre em governos anteriores. Há, contudo, uma diferença brutal. No governo Lula teve início um processo de recuperação da capacidade operacional do Estado
brasileiro, revelado na ampliação dos concursos públicos e retomada de diversas carreiras e órgãos públicos, ao mesmo tempo em que se ampliou, ao contrário da má fé da oposição, a vigilância sobre os vícios que nos contaminam, por via das ações da Polícia Federal, da Controladoria Geral da União e da garantia de atuação independente do Ministério Público. Que tais ações possam se completar com uma genuína reforma do Estado, que minimize os riscos de sua utilização por interesses privados.
Do ponto de vista da construção das bases materiais da memorável aliança assinalada por Weber, tem destaque a retomada de uma política industrial ativa, com aberto propósito de fortalecer as grandes empresas nacionais – sem descurar de ações para todos os setores de atividades e empresas, de diferentes magnitudes. Neste sentido o fortalecimento da Petrobrás é emblemático. Colocada na mira da sanha privatizante dos tucanos, ela pode servir, nesta quadra histórica que vivemos, como um poderoso instrumento para aproveitarmos a janela de oportunidade que a elevação dos preços das commodities proporciona para o Brasil. O risco não é dispor de uma pauta de exportações hoje marcada pelo predomínio das commodities, se isto nos garantir um cenário de estabilidade no setor externo para fincarmos
os alicerces de um salto tecnológico no futuro. Neste sentido, basta olhar as metas e os instrumentos da Política de Desenvolvimento Produtivo de Lula para percebermos que há um horizonte firmado, na montagem de uma base para atividades estratégicas e tecnologia de futuro, como a biotecnologia, a nanotecnologia, o complexo industrial da saúde, as tecnologias da informação e comunicação. Não se pode, é certo, deitar em berço esplêndido e apenas fruir das facilidades do presente, risco sempre significativo. De todo modo, para onde iríamos se o furor privatizante tivesse nos levado à completa erosão das bases nacionais de nossa estrutura industrial, como desejado pelos tucanos?
Por fim, sob o aspecto simbólico e material, o governo Lula representou o encontro dos de baixo com a Nação, com o sentimento de pertença a um mesmo status compartilhado, temperado com um crescente orgulho da condição de brasileiros e da presença do Estado brasileiro no cenário internacional. O pacto pelo consumo favoreceu o encontro da memorável aliança, de novo em processo de construção, com a aspiração à cidadania. Tudo isto, sob invejável clima democrático, que cede espaço, inclusive, a uma mídia sem peias,concentrada, monopolista e desregulada, num patamar incomparável, face, por exemplo, às democracias européias.
Há uma parte dos de cima que não aceitam este movimento. Representam uma minoria, porém histérica e intransigente. Para o bem da democracia e da esperança do povo brasileiro, que não prevaleça sobre a maioria.
Que possa, contudo, retomar o papel de oposição da qual abriu mão para enveredar na tática denuncista.
Importa perseverar. Dar continuidade à trilha que foi aberta e eleger Dilma Roussef presidente da República
Ignacio Godinho Delgado é professor da UFJF. Mais informações sobre sua produção aqui.

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