segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O ELEITOR ESTAR TIRIRICANDO ?

O voto de protesto na História recente de democracia pode ter começado com a eleição de Fernando Collor de Mello para presidente da República. Enfim, depois de décadas, o país voltava a ter o direito de escolher o seu candidato, e não alguém alçado ao poder por força das circunstâncias – com o devido respeito ao ex-presidente José Sarney. O voto de protesto surgiu com mais força no fenômeno Enéas Carneiro, o saudoso ex-candidato que bombardeava adversários com frases – e ideias – de efeito. Esse voto de protesto o levou à Câmara Federal. O mesmo fenômeno se repetiu com o turbilhão de votos de Heloísa Helena, o protesto de a mulher também pleitear uma vaga no Palácio do Planalto. Agora, o voto de protesto ressurge não majoritário, mas proporcional, em um caso curioso – diversificou-se pelo país.
A ponto de vermos o palhaço, cantor e ator Tiririca (SP) liderar a disputa pela Câmara dos Deputados por São Paulo, o maior colégio eleitoral do país. Partiu do próprio candidato lançar mão do protesto. Em outras palavras, surge na TV com semblante revoltado, contra a corrupção e esquemas afins da política nacional. E no melhor jeito popular que o consagrou, diz que, com ele eleito, pior do que está o Congresso não fica. E, às favas o nepotismo tão combatido, emenda para arrancar gargalhada do telespectador: vou ajudar muitas famílias, inclusive a minha.
Expert em análises eleitorais, o ex-prefeito do Rio Cesar Maia capturou essa mensagem popular que permeia o voto de protesto atual e esboçou o neologismo Tiriricar. O povo está tiriricando a escolha. E essa tiriricarização, digo, para incrementar o vocabulário tão propício, pode tornar-se um fenômeno nacional. Exausto com o bombardeio de denúncias contra os mandatários do poder em todos os cantos do país, sejam eles do governo federal, de estaduais ou municipais, o eleitor está tiriricando. Exagero dizer que usar o termo é mandar o voto às favas. Seria um desrespeito ao nome artístico do candidato. Mas não será impossível essa expressão ganhar o vocabulário popular e consolidar-se futuramente nos dicionários. Uma prova, temos já no Aurélio a palavra Cristianização, para lembrar o famoso caso da disputa entre Cristiano Machado e Eduardo Gomes.
Não se pode negar que há um motivo político em cada candidatura de artista ou esportista a cargos majoritários ou proporcionais. Mas fechar os olhos para uma verdade é ser complacente com o risco de um voto equivocado: o mandato político virou um grande negócio. Falido, atrás de um soldo seguro por algum período; ou enrolado com a Justiça e em busca do foro privilegiado; ou depressivo e vítima da obsessão por holofotes; ou simplesmente com o intuito de abraçar um ideal e ajudar parcela da sociedade, o artista ou esportista estão buscando as eleições como alternativa às suas carreiras.
Poderia citar aqui dezenas de exemplos, mas concentro-me nestes: além de Tiririca, o pagodeiro e apresentador de TV Netinho de Paula (PCdoB), líder nas pesquisas para o Senado. Com chances de serem alçados à Câmara o ex-craque Romário (RJ), o sumido Leandro do KLB (SP), o polêmico estilista Ronaldo Esper (SP); e na tentativa de reeleição os cantores de forró Frank Aguiar (SP) e Mão Branca (BA). Do ringue para o plenário, podem surgir Maguila (PE) e Popó (BA). Pelas notoriedades, os partidos descobriram a tempo que eles serão bons puxadores de votos. Principalmente os de protesto.
Independentemente de serem levados para Brasília, criou-se na cultura política brasileira um fenômeno. Nem todo artista é um político. Mas todo político se torna um.

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