FLÁVIO GOMEZ
Eu já tinha 25 anos quando consegui juntar um dinheirinho para realizar o sonho de minha breve vida até então, ir para a Europa. Juntamos nossas mochilas e embarcamos num voo da Lan Chile, o mais barato da praça, destino Madri. Seiscentos e sessenta dólares. Não preguei o olho durante a viagem toda, porque queria de qualquer jeito ver a Europa lá de cima assim que o avião entrasse no espaço aéreo do continente ao qual, vá lá, eu, neto de portugueses, bisneto de italianos e alemães, devia minha existência. Vi.
Tudo me pareceu muito marrom claro, ocre, bege, sei lá, o céu azul demais, o sol forte demais quando desembarcamos em Barajas, e aí foi uma sucessão de trens e ônibus até Marselha, outra história, que não vem ao caso, eu achava que na Europa era tudo perto, mas não era bem assim.
E foram horas vendo a paisagem daquele lugar, o Europass liberando todos os vagões e cabines, horas com a testa grudada na janela, os prédios baixos, as varandas com toldos, a cuêca-cuêla, o sanduíche na baguete, os novos sons, sabores e cheiros.
Desde então estive muitas e muitas vezes na Espanha, por causa da Fórmula 1. Jerez, Madri, Barcelona. Durante alguns anos, viajei o mundo todo só de Iberia, e para onde tinha de ir pingava em Barajas para, dali, seguir meu rumo. Barajas, Barajas, Barajas.
Não sei nada de futebol espanhol, nada que qualquer um não saiba. É provável que nunca tenha visto um ...
jogo inteiro sequer do campeonato espanhol, talvez se somar tudo que vi não chegue a 90 minutos. Quem tá jogando, filho?, Getafe e Valladolid, muito obrigado, vou ler o jornal. O futebol internacional não me interessa em particular, na verdade acho um saco, e por isso não me peçam para falar do futebol espanhol, da escola espanhola, dos craques espanhóis.
jogo inteiro sequer do campeonato espanhol, talvez se somar tudo que vi não chegue a 90 minutos. Quem tá jogando, filho?, Getafe e Valladolid, muito obrigado, vou ler o jornal. O futebol internacional não me interessa em particular, na verdade acho um saco, e por isso não me peçam para falar do futebol espanhol, da escola espanhola, dos craques espanhóis.
Mas posso falar da Espanha. Foi meu portão de entrada, onde meti o pé na estrada, onde fiz minhas cagadas, onde usei cartão de crédito brasileiro para pagar um carro alugado depois de uma madrugada inteira atravessando o país para pegar o avião, eu achava que era tudo perto, mas a Espanha é enorme. Onde tomei grandes porres de conhaque bom, onde pedi gazpacho no restaurante vazio achando que estava pedindo carpaccio, onde tomei litros de Tio Pepe, onde me chamavam de señor Gomez no hotel de sempre.
Barcelona foi para mim, por 15 anos a fio, uma cidade familiar, daquelas em que a gente anda sem olhar o mapa, daquelas em que a gente reclama quando mudam a mão de uma rua, daquelas que a gente conhece os atalhos, alguns botecos, alguns restaurantes, algumas lojinhas. Dizem que Barcelona não é a Espanha, é a Catalunha, mas para mim é tudo Espanha, uma Catalunha aqui, umas Astúrias ali, um País Basco acolá, e no fundo é tudo Espanha, ao menos para mim. Acho que para os espanhóis, hoje, também.
Ganhar uma Copa do Mundo e subir aos céus é uma sensação boa para um país, mais ainda para aquele que nunca tinha vencido. A Espanha é hoje a capital mundial do esporte, graças aos seus jogadores de futebol, aos seus tenistas, aos seus pilotos de carros e de motocicletas, aos seus ciclistas, aos seus jogadores
de basquete. A Olimpíada de Barcelona transformou o país, antes atirado nas trevas do franquismo. Renovou a cidade, fez dela um exemplo, o esporte veio a reboque, o turismo cresceu, tem lá suas crises, claro, mas para quem está acostumado às próprias sombras, basta ir à Espanha para compreender o real significado da palavra exuberância.
E os caras gostam de futebol. Gostam de verdade, e se orgulham de seus times. Não há ninguém mais orgulhoso no mundo do que os culés, os torcedores do Barça, ou que os madridistas que consideram o Real (“Madrid”, para eles) o maior time de todos os tempos. Eles não ligavam muito para a Fúria, mas agora ligam, e o futebol tem dessas coisas, nem que seja por alguns momentos, une bascos e andaluzes, catalães e asturianos.
Acho que a taça está em boas mãos, os especialistas dizem que ganhou o bom futebol, que a Holanda joga feio, dá muita botinada, e hoje deu mesmo, a final foi violenta e dura, quem sabe os holandeses depois dessa voltem a jogar como jogavam. Dizem que a Espanha tem os melhores jogadores do mundo, que toca a bola, que tem paciência, que é fiel a um estilo, e se dizem, deve ser.
Está em boas mãos, claro que está. A taça vai desfilar agora por aquela terra ensolarada e ocre, com suas varandas e toldos, de céu incrivelmente azul, de gente enfezada que fala de um jeito meio brusco e duro, aquela terra que me espantou quando cheguei lá naquela outra vida, qualquer terra me espantaria naqueles tempos, creio, aquela terra onde se come e se bebe bem. Terra de artistas, de grandes letras, de mulheres de cabelos longos e olhos negros.
A taça é deles, do goleiro que chora e, depois, dá um beijo na boca da repórter, sua linda namorada.
Que a Espanha vá dormir com esse beijo na boca, saboreie sua vitória, viva sua alegria.
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