sábado, 14 de agosto de 2010

REENCENANDO PEÇAS DE HORROR

Por Carlos Chagas
Decidiu o Tribunal de Contas da União, esta semana, rever as indenizações mensais pagas mensalmente pelo governo federal aos perseguidos pela ditadura militar. Ou a seus parentes, caso tenham sido mortos ou desaparecidos. São mais de 7 mil indenizações já concedidas, capazes de ser reduzidas ou canceladas pelo TCU, por representação do Ministério Público.
A decisão poderá atingir os torturados, os prejudicados em suas carreiras profissionais ou em suas vidas particulares, bem como as famílias dos que morreram quando sob a guarda ou em enfrentamento com o poder público. Alega-se que tem gente recebendo quantias muito superiores às aposentadorias e pensões destinadas ao cidadão comum.
Protestou a Comissão de Anistia, responsável por essas concessões, funcionando no ministério da Justiça desde 1989. O problema é faltar-lhe contextura legal.
Fica difícil perscrutar as razões de o estado brasileiro estar regateando, através do TCU. Choques elétricos passam a valer menos do que suas vítimas vinham recebendo de indenização? Estupros, torturas variadas, a perda de entes queridos, a destruição de mentes e de carreiras profissionais perdem valor, como ações na bolsa?
Abusos aconteceram em certos processos de indenização. Foram beneficiados malandros que não levantaram um dedo contra o regime de exceção, ou pessoas que nem idade tinham para enfrentar o arbítrio. Mas, guardadas as proporções, penalizar a grande maioria que fez e continua fazendo jus às reparações pecuniárias, inclusive sob ameaça de cancelamento, assemelha-se a outro tipo de tortura.
São dessas anomalias que só fazem envergonhar os tempos em que vivemos. Por ironia, uma situação muito parecida com aquela levantada meses atrás pelos radicais do outro lado, pretendendo implodir a anistia e levar à barra dos tribunais personagens implicados na prática de excessos, até os mais inomináveis.
Em nome da volta à democracia, foram beneficiados pela lei do esquecimento, assim como aqueles que pegaram em armas contra o regime, muitos culpados por iguais atos de violência. Pode doer, até hoje, verificar que bandidos de lá e de cá viram-se excluídos de punições, mas, não fosse assim, ainda estaríamos envolvidos em episódios de vendeta. Ou coisa pior. Mesmo sem perdoar, de parte a parte, foi melhor assim.
Pois não é que agora, através do Tribunal de Contas da União, permite-se reabrir velhas feridas, no caso, penalizando aqueles que o próprio poder público indenizou como vítimas? Convenhamos, o pano já caiu sobre essa peça de horror, os atores sumiram do palco e essa reapresentação só dá tristeza. É preciso fechar o teatro.

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