segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Por Lucio de Castro.
Ecos de uma epopeia e o futebol

Solidários, dramáticos, exagerados, viscerais... Para o bem ou para o mal, somos assim. Para o bem ou para mal, somos latino-americanos. “Com muito orgulho”, parafraseando a chata canção-chiclete.
Darcy Ribeiro dizia que “somos a nova Roma”, mas muito melhores, tamanha a potencialidade da região. Pensava acima de tudo no capital humano da América Latina.
A semana que passou deixou isso tudo mais latente. Dias daqueles que mudam a história.
Não há como ter dúvidas: o episódio dos mineiros chilenos é um daqueles marcos que seguirão por muito tempo. Uma epopeia. Uma aventura ao desconhecido, quase a nossa Lusíadas. E como qualquer coisa que diz respeito aos do lado de baixo do Equador, cercado de categorias religiosas, fé e muito futebol, que esteve presente a cada dia, momento e personagem dessa epopeia.
Que ninguém menospreze quando se fala no episódio como algo capaz de remexer a história. Medicina, psicologia, tecnologia, gestão de risco, jornalismo, televisão, todas essas vertentes irão lançar olhares minuciosos sobre os 33 mineiros do Atacama e suas espetaculares histórias para nortear o que virá.
Mais uma vez lembrei de Saint-Exupery. No seu “Terra dos Homens”, ao descrever o sobrevivente de um acidente de avião depois de dias na neve, lutando pela vida nas piores condições, escreveu uma frase definitiva sobre o ser humano: "Nenhum bicho conseguiria, só um homem sobreviveria...". Torço para que o tempo e que vem por aí não destrua a nobreza daqueles homens e a solidariedade existente entre eles. Sabemos que é difícil. “A força da grana que ergue e destroi coisas belas” diria Caetano.
Em muito breve, a história dos mineiros estará nas convenções de empresas, nas telas e...nos vestiários de futebol, nas palestras motivacionais...
Muito já se falou a essa altura sobre o épico do episódio. Por isso, vou escolher e forçar um pouco do nosso viés, puxar um pouco essa sardinha pro futebol. Pois quando essa história for recontada, e não faltarão plataformas para tal, o futebol vai estar em algum compartimento muito especial.
Como não poderia deixar de ser, sendo uma história latino-americana, como dizíamos, o futebol foi parte fundamental de tudo. Esteve presente como bálsamo e ópio dos 33 para sobreviverem e enfrentarem as provações. Resultados de futebol eram repassados para passarem o tempo. Camisas do Universidad estavam entre os mineiros na hora da volta ao mundo, assim como do Colo Colo. Um dos únicos motivos de briga não foi a escassa porção de atum de uma colherada para cada 48 horas nos 17 primeiros dias mas sim as duas camisas do Real Madrid entregues. Como dividir? Depois vieram mais para acalmar as almas!
Um dos mineiros era um ex-jogador, Franklin Lobo, ex-parceiro de Zamorano. Saiu fazendo embaixadas. E uma das histórias mais impressionantes foi o mágico reencontro entre o mineiro e o resgatista Manuel González. Três décadas depois de se enfrentarem em um campo de futebol, (o resgatista pelo O'Higgins e o mineiro pelo Cobresal, no dia 21 de julho de 1985, no estádio El Teniente de Rancágua), estavam ali, frente a frente, desta vez pelo mesmo time.
Uma das primeiras coisas ditas pelo presidente foi o convite para uma partida de futebol. E até aqui o convite que parece ter encantado ao time dos mineiros foi o do Real Madrid para que assistam a um jogo no Bernabeu.
Somos assim. Solidários, dramáticos, exagerados, viscerais...E com o futebol como uma das partes mais marcantes de nossas vidas, capaz de explicar o mundo e traço definitivo de cultura. Que os 33 sobrevivam ao moedor de almas e vidas de nossos dias. Por fim, uma dica de algo não menos épico sobre uma epopeia semelhante: o documentário “Venho de um avião que caiu nas montanhas”, sobre o desastre de 1972, nos Andes. Espetacular

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