PASQUALE CIPRO NETO
Johannesburgo é história. Lá, é possível tomar contato direto com o que foi o ignóbil apartheid.
FORAM 29 dias na África do Sul. Quando lá cheguei, um pouco antes do início da Copa, logo percebi que Johannesburgo não é o melhor lugar do mundo para passar tanto tempo longe de casa.
A cidade -que não é uma só, mas pelo menos duas, claramente demarcadas- exige um certo "treinamento" específico: não é fácil sobreviver num lugar um tanto frio e assustador, seco e, sobretudo, ostensivamente oposto ao que se entende por uma cidade. De certa forma, Johannesburgo é uma anticidade, sem lugar para as pessoas conviverem. Convém lembrar que "cidade", "cidadão", "civilização", "civismo", entre outras, são palavras cognatas, isto é, têm raiz (latina) comum.
Mas a África do Sul não é só Johannesburgo (quanta coisa bonita há em outras cidades), e Johannesburgo não é só a síntese da vida besta, "moderna", trancada em enfadonhos shoppings, pasteurizados e pasteurizadores. Johannesburgo é sobretudo história, já que lá estão alguns dos lugares em que é possível tomar contato direto com o que foi (e, de certa forma, ainda é) o ignóbil apartheid.
É fundamental ir ao Museu do Apartheid, em que se veem fotos e documentos que nos põem diante dos olhos, da mente, da alma e do coração a realidade de uma das tantas vergonhas que a humanidade produziu. E foi nesse museu que vi uma imagem destruidora: a de uma escola para negros, em que não havia nada de nada -nem lousa, nem carteiras, nem coisa alguma.
A foto em que os alunos (e são muitos) aparecem agachados, como verdadeiros sapinhos, escrevendo num papel que está no chão, é de deixar em crise profunda até consciências minimamente sensíveis.
O Museu Hector Pieterson é outro lugar em que a alma se decompõe. Pieterson foi assassinado pela polícia, aos 13 anos, em 1976, durante uma manifestação estudantil, contrária sabe a quê? À implantação nas escolas do africâner, língua dos bôeres, holandeses colonizadores da África do Sul.
Isso mesmo, caro leitor: os estudantes de Soweto (onde ocorreu o assassinato) não aceitavam a introdução nas escolas do africâner, vista como língua do opressor. Entre os monumentos que há na entrada desse museu, chama a atenção uma queda d'água, que simboliza as lágrimas eternas da mãe do menino e de toda a comunidade de Soweto.
A África do Sul emociona, marca, punge: modifica. Não se é o mesmo depois de lá estar. Um beijo, África do Sul, para todo o sempre. É isso.
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