Jaime Sautchuk.
As hidrelétricas em operação, em construção e previstas até o ano 2016 na Amazônia brasileira, juntas, somarão área inundada superior a 40 mil km², o que equivale ao estado do Rio de Janeiro. Isto, sem contar as 15 usinas das bacias dos rios Araguaia e Tocantins.
A opção brasileira pela energia vinda dos rios competirá, assim, com a ocupação desordenada e o desmatamento na célere degradação da maior floresta tropical do mundo. São previstas 12 usinas, totalizando 16,1 milhões de kw/h de potência instalada. Duas delas na margem Norte do Amazonas, nos rios Jarí e Trombetas.
A conta fica mais robusta se acoplar os lagos das pequenas usinas previstas em lei, para uso localizado, e das linhas de transmissão, que percorrem longos percursos com “faixas de servidão” (aceiro de proteção) de até 100m de largura.
O linhão de Tucuruí, por exemplo, vai sair do rio Tocantins, no Sul do Pará, onde está a usina, cruzará o rio Amazonas até o Amapá e, de lá, seguirá até Manaus (AM). São 1.700 km, com torres de até 300m de altura (um prédio de cem andares).
Essas obras constam dos planos de Expansão de Energia (PDE) 2007/2016 e de Energia (PNE) 2030, do Ministério de Minas e Energia (MME). Os dois documentos, elaborados em parceria com universidades e empresas do setor, definem a matriz de energia elétrica das próximas décadas. A rigor, pouco muda.
A de fonte hídrica, que hoje supre 81,2% do consumo, ficará em 75,3% em 2016 e se manterá nesta faixa em 2030. A de fontes limpas (eólica, solar, marés, bioenergética...) continuará como secundária. A
compatibilidade é viável, mesmo levando em conta que a de fonte biológica, por exemplo, depende da sazonalidade agrícola.
A maior parte desses projetos consta do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do atual governo, mas seu nascedouro está nos anos 1970. Na linguagem, são atualizados no tratamento do impacto sócio-ambiental, mas mantêm o gene de nascença.
Na Amazônia, pela própria topografia da região, os impactos vão sempre além do previsto. Duas usinas já em operação – Balbina (AM) e Samuel (RO) – alagam mais de 4.000 km², mas produzem míseros 400 mil kw/h. Mal supririam a demanda de cidade como Ribeirão Preto(SP), com 700 mil habitantes.
Os efeitos existem mesmo quando o volume de produção justifica, como em Tucuruí, que saltou para respeitáveis 8,2 milhões de kw/h. A usina nasceu com foco no pólo de alumínio Albrás/Alunorte, no Pará, atividade expulsa dos países mais desenvolvidos por ser voraz gastadora de energia. Mas, no Brasil havia minério (bauxita) em abundância e, no caso, energia subsidiada.
De quebra, Tucuruí provocou outros dois problemas: bloqueou os rios Tocantins, Araguaia e afluentes e inundou cerca de 70km da Transamazônica. A estrada foi refeita em 1982/84. Já a navegabilidade do rio, para barcos e peixes, só volta agora, com a construção de uma eclusa.
Perto de Balbina, no rio Uatumã (AM), esse estrago é pequeno. Balbina alagou 30% a mais que Tucuruí para produzir ridículos 2% do que esta produz. A energia elétrica de Roraima, pouco ao Norte, vem de termelétricas e por corrente da usina de Guri, na Venezuela.
Os erros do passado, porém, não foram muito educativos. Nas três bacias mais visadas a partir de agora (Xingú, Tapajós e Madeira, afluentes do Amazonas), a usina mais próxima de ser construída é a de Belo Monte, no Xingu, Sul do Pará. A danada vai de novo alagar trecho da Transamazônica e precisará de 17 diques para conter o avanço do seu lago.
Belo Monte é, em verdade, novo nome do Complexo Kararaô, concebido em 1979, sob protestos de ambientalistas e representantes das populações de lá, em especial dos povos indígenas.
Ali há um platô, que abarca a Serra do Cachimbo e as nascentes dos provedores do Xingu e do Tapajós. No trecho, o Xingu tem três calhas. Na primeira fase do projeto, para 4,2 milhões de kw/h, serão bloqueados dois desses leitos.
Mas o projeto é para 11 milhões de kW/h, e aí é que o bicho vai pegar. Para aumentar e manter a propulsão da água, haverá cinco outras barragens, numa espécie de escada de lagos, engolindo a floresta. Engolirá também áreas de populações ribeirinhas e parte da cidade de Altamira.
Não muito distante dali, na fronteira com o Mato Grosso, seis hidrelétricas são previstas para o legendário rio Teles Pires, formador do Tapajós e conhecido por receber expedições desbravadoras, do marechal Cândido Rondon aos irmãos Villas Boas. Vão produzir 3,7 milhões de kw/h.
No rio Madeira, em Rondônia, andam os processos das usinas também prioritárias de Jirau e Santo Antônio. Ali, o desafio é ainda maior. O rio, raivoso, ganhou seu nome por trazer dos Andes árvores que retira das suas barrancas.
Na divisão de tarefas para essas obras, o governo cuida do planejamento, incluindo os estudos de impacto ambiental, e, depois, da distribuição da energia produzida. O miolo, de construção de usinas e produção de energia, fica majoritariamente com o setor privado, com financiamento público.
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