domingo, 31 de outubro de 2010

Por Carlos Chagas
Democracia tem dessas coisas. No Supremo Tribunal Federal,  a voz rouca das ruas prevaleceu  sobre a Constituição. Viu-se derrotado o voto mais brilhante, contundente e lógico, de autoria  do ministro Gilmar Mendes, superado pela experiência e a perspicácia do ministro Celso de Mello, que apesar de contrário à aplicação imediata da lei ficha limpa, encontrou a saída política para evitar a desmoralização da mais alta corte nacional de justiça.
Arcabuzados, de início, foram Jader Barbalho e Paulo Rocha, eleitos senadores pelo Pará mas agora tornados inelegíveis pelo reconhecimento da vigência imediata do dispositivo que impede parlamentares de renunciar a seus mandatos para evitar cassações por quebra do decoro. É possível que outros candidatos eleitos mas impugnados venham a sofrer a mesma sanção, com Paulo Maluf puxando a fila.
Curvou-se o Supremo ao milhão e trezentas mil assinaturas populares do projeto ficha limpa, ou seja, em nome da probidade administrativa e da moralidade parlamentar, tornaram-se inelegíveis candidatos no passado renunciantes e, pelo jeito, também aqueles  condenados por tribunais de justiça por crimes variados. A lei retroagiu, atropelando a Constituição que proíbe sua aplicação para prejudicar cidadãos pelas leis anteriores  no pleno gozo de seus direitos políticos e eleitorais. Mas valeu a pressão da ética, responsável pelo voto de cinco ministros em favor da aplicação  da ficha limpa para as eleições deste ano,  ainda que outros cinco se opusessem. Para evitar a continuação do  impasse o decano do STF fez valer o argumento de que se eles não resolveram, que prevalecesse a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, pela pronta  validade da Lei Complementar 135, apesar de votada e sancionada fora do prazo.
Sem a menor dúvida tratou-se de um arraso na letra da Constituição, quem sabe até o reconhecimento do casuísmo denunciado por Gilmar Mendes, para quem o Congresso passa a deter agora um cheque em branco, capaz de prejudicar direitos adquiridos por motivos políticos. Quem garante que outras leis não venham a ser aprovadas prejudicando  as minorias por abuso de poder das maiorias?
Mesmo assim, prevaleceu o sentimento nacional, a referida voz rouca das ruas, ávida de ver afastados das eleições candidatos antes sentenciados por corrupção ou praticantes de iniciativas nada  éticas, como a renúncia para evitar cassações. Ficou evidente que a ciência jurídica pode muito, mas não pode tudo, quer dizer, acaba  atropelada pelo sentimento popular.

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