sábado, 7 de agosto de 2010

CORTEJO DE PIRILAMPOS

RUY CASTRO
O homenageado da Flip em 2007 foi Nelson Rodrigues. Entre as atrações da festa, havia a exibição de "Vestido de Noiva", o filme baseado em sua peça, que seu filho, o cineasta Joffre Rodrigues, completara havia anos e levara outros tantos para conseguir lançar. Programado pelo exibidor para uma semana ingrata, tipo Carnaval, em 2006, o filme entrara e saíra de cartaz quase em segredo.
Donde poder vê-lo em Paraty seria uma rara oportunidade também para mim, que estava viajando e não o vira quando ele passou como um raio pelo Rio. Sentado numa das cadeiras do cineminha local, pisquei para Joffre quando ele entrou e, debaixo da tela, tentou dizer algumas palavras antes da sessão.
Apenas tentou -porque, emotivo como era, chorou ao descrever os quase 10 anos de vida que o filme lhe custara, a luta para levantar o dinheiro e sua insegurança a respeito das liberdades que tomara ao adaptar a peça quase sagrada de seu pai. E, finalmente, o fato de que tão pouca gente pudera vê-lo.
Finalmente, Joffre enxugou os olhos e o filme começou. Com poucos minutos, convenci-me de que "Vestido de Noiva" estava todo ali, não como um "teatro filmado", como tinham dito os críticos, mas legitimamente transfigurado para o cinema. De repente, por volta do 20º minuto, pifou a energia na cidade. Paraty ficou às escuras.
E, então, aconteceu uma coisa bonita: ninguém arredou pé. Durante uma hora esperamos que a energia voltasse e a sessão se reiniciasse. E, como isso não aconteceu, lentamente fomos embora, todos juntos, dezenas de pessoas, pelas ruas de Paraty. Imaginei que Joffre estaria chorando de novo. As lágrimas o impediriam de ver o céu, absurdamente estrelado, e o cortejo de pirilampos, formado pelos celulares acesos que as pessoas usavam à guisa de lanternas.
Joffre Rodrigues morreu nesta quarta no Rio.

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