EMÍLIO ODEBRECHT.
Em uma noite de semanas atrás, surpreso com a avalanche de notícias sobre dois casos policiais (o assassinato de uma jovem advogada em São Paulo e o suposto envolvimento do goleiro Bruno do Flamengo em episódio ainda não esclarecido pela polícia), decidi cronometrar o espaço que lhes seria dedicado nos jornais de TVs abertas e a cabo: foi nada menos do que 57% do tempo daqueles que pude assistir.
Mas o que me chamou a atenção não foi apenas a quantidade de tempo usada com os dois assuntos durante vários dias, mas principalmente a abordagem da cobertura jornalística, marcada aparentemente pelo compromisso exclusivo com os índices de audiência.
Não tenho dúvidas de que são acontecimentos que mexem com a opinião pública e que cabe à imprensa selecionar e noticiar os fatos que impactam nosso dia-a-dia. Porém, o papel adicional que a televisão pode exercer de contribuir para a formação das pessoas em momentos como este não pode ser esquecido.
Fiquei com a sensação de que, refém dos índices de audiência, a televisão acaba se deixando dominar por notícias dessa natureza. Em quase sua totalidade, o noticiário concentrou-se na exibição e no relato de detalhes que atraem uma certa curiosidade mórbida dos espectadores, sem buscar no bojo das tragédias as profundas lições que deixam e que servem para educar para a vida as novas gerações. Na cobertura jornalística dos dois fatos o tratamento tem sido semelhante ao que é dado aos espetáculos, quando, em minha opinião, deveria ser aproveitada a oportunidade para reflexão, análise e investigação serena e cuidadosa das causas que resultam em episódios tão dramáticos.
No caso do goleiro Bruno, por exemplo, muitos aspectos poderiam ser aprofundados pelas reportagens das TVs. No Brasil, olhamos com um certo descompromisso para jovens como ele, que, de repente, sem o menor preparo pessoal ou social, se deparam com o sucesso e a riqueza. Transformam-se em ídolos, fazem opinião, são imitados, mas perdem a noção dos limites e acabam vítimas trágicas das próprias escolhas
porque não receberam na hora certa amparo e orientação.
É desejável, portanto, que a televisão mude o enfoque ao contar essas histórias, de modo a retirar de cada uma delas lições que sirvam à construção de uma sociedade melhor. Ter a audiência como a única referência da quantidade e da qualidade da abordagem é visão de curto prazo porque, dessa forma, as emissoras não criarão telespectadores mais críticos e mais preparados para assistir programas melhores no futuro. Perdem elas próprias, perde a sociedade, perde o Brasil.
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