Editorial, Jornal do Brasil
O ensaio de caos aéreo enfrentado por passageiros de todo o país na segunda-feira deixou muito claro o modelo de que o Brasil não precisa e que não pode manter se quiser que as coisas saiam a contento em eventos internacionais de porte como a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016. Ver 26% de todo o tráfego aéreo com problemas por conta dos desacertos administrativos e gerenciais de uma só companhia é absurdo difícil de explicar ao Comitê Olímpico Internacional, à Fifa, enfim, a todas as entidades que olham para tais iniciativas com olhar de lupa. Os passageiros, aqui, não podem mais ficar à mercê de um duopólio disfarçado e sustentado por poderosas estruturas de apoio encasteladas nos organismos que deveriam ser os primeiros a zelar por um mercado mais aberto e capaz de garantir os direitos básicos de todos os que voam, seja profissionalmente, a trabalho ou por lazer.
Anunciada como a primeira companhia nacional criada dentro do espírito low cost-low fare, a Gol se esmera, nos últimos tempos, em tornar inesquecível da pior forma a experiência de se viajar em seus aviões. Com preços de tarifas que são quase sempre superiores aos das concorrentes, oferece em troca, além do serviço de bordo espartano –o que explicitaria, entre outras impressões, a de um conceito de custo baixo com tarifa cara, ou seja, margem de lucro maior– uma pontualidade questionável sob todos os aspectos. A confusão do início da semana não foi a primeira relacionada à grande oferta de voos charters com pacotes fechados com operadoras de turismo. Quando a companhia se justificou alegando “excesso de tráfego aéreo” e foi desmentida pelas autoridades aeronáuticas, o que se quis dizer é que o excesso era dela própria, não do mercado. Quem viajou recentemente pela companhia já ouviu tripulantes reclamando abertamente das condições de trabalho desgastantes.
O que aconteceu na segunda-feira, se houvesse algum tipo de controle sobre o setor, já teria merecido uma resposta drástica do governo. Mas isso é esperar muito da Anac, que apenas “exigiu explicações”. Quem voa sabe que a agência é uma ficção burocrática incapaz de fazer valer até a regulamentação que, com tanta pompa, anunciou em defesa dos passageiros. Reinstalados justamente para explicitar a ineficiência da Anac, os Juizados Especiais nos aeroportos se transformaram na única instância capaz de devolver o setor aos interesses de quem paga as passagens e espera um mínimo de organização.
É preciso liberar o mercado. É preciso que as outras companhias tenham acesso às operações em todos os aeroportos, não manter as menores –e possivelmente mais bem administradas– à margem de um crescimento condenado ao periférico. Assim, quando se vissem na situação em que a Gol os deixou na segunda-feira, os passageiros poderiam dar a melhor resposta aos gestores da companhia: deixar de usá-la.

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