Leio, num suplemento literário, discreta e póstuma queixa de Dias Gomes contra Nelson Rodrigues. Ambos foram grandes, ambos estão mortos. Ambos foram meus amigos. Dias se queixava de que Nelson tinha uma pinimba com ele.
Coisa de profissional do mesmo ofício. O médico desdenha o outro médico, o mesmo acontece com o dentista, o publicitário, o costureiro, o jornalista.
Nelson até certo ponto invejava o sucesso de Dias, o dinheiro que ganhava na TV. Até o fim da vida, Nelson vivia apertado financeiramente, trabalhando como um remador de "Ben-Hur" para manter um padrão de vida modesto e digno.
Dias faturava horrores. Mas também até certo ponto invejava Nelson, que tinha um sucesso de crítica maior que o dele. Não foram amigos, falaram-se pouco em vida, Dias era comunista, Nelson, reacionário. Mas, acima de tudo, eram dotados de imenso talento e, no caso de Nelson, de uma dose de genialidade que cresce com o tempo.
O teatro, como a música, a literatura e a pintura, não é uma Fórmula 1, que tem sempre um corredor que está à frente do outro. Nos autódromos, as condições de pista e de tempo são iguais para todos. Já o artista corre cada qual em sua pista, em seu tempo, em sua própria chuva ou em seu próprio sol.
Nelson não conseguiria escrever "O Pagador de Promessas". Dias jamais perderia tempo em escrever "Vestido de Noiva" ou "O Beijo no Asfalto".
Mas foram, os dois, expressões maiores na história do teatro brasileiro, com larga predominância de Nelson no palco e com absoluta dianteira de Alfredo Dias Gomes na televisão.
Tenho orgulho de ter sido amigo dos dois. Dizia isso para eles, quando estavam vivos. E digo agora, quando já estão do outro lado. Achei que devia essa homenagem a ele e ao Nelson.
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