1967: uma noite que ilumina os dias.
O documentário "Uma noite em 1967", de Renato Terra e Ricardo Calil, com documentos de época e entrevistas atuais, recoloca o papel dos festivais e da resistência cultural no Brasil durante a ditadura civil-militar (1964-1985).
Francisco Carlos Teixeira.
Depois de estrear no festival de cinema do Rio “Tudo é verdade” o documentário “Uma noite em 1967”, de Renato Terra e Ricardo Calil lotou os cinemas do Rio de Janeiro. Trata-se de uma revisão histórica, do momento final do III Festival de Música Popular da TV Record no dia 21 de outubro de 1967. Um público dominantemente acima dos 50 anos foi conferir um momento ímpar na vida, e na memória, daqueles que viveram os chamados “anos de chumbo” da história do Brasil. O filme, com documentos de época e entrevistas atuais, recoloca o papel dos festivais e da resistência cultural no Brasil durante a ditadura civil-militar (1964-1985).
Um filme, um debate
O recente trabalho de Terra & Calil, para além de um ótimo divertimento, objetivo básico de todo filme, nos leva a uma viagem ao passado recente do país. Na verdade nos leva a uma viagem, a bordo de algumas canções, a um tempo de guerra. Através dos documentos de época – tapes e flash dos festivais da canção, em especial do festival-tema do filme (da Record de 1967) – e de várias entrevistas contemporâneas com os atores/produtores/autores/compositores participantes do próprio festival – revivemos as emoções daquela noite. Era, após três outras etapas, a finalíssima do festival. Ali, então, enfrentar-se-iam várias tendências e estilos da nova MPB, tudo envolto em um acirrado clima ideológico. A novidade, talvez requentada, são os depoimentos dos produtores do evento reconhecendo, descaradamente, o caráter mercadológico e pré-montado do evento. Isso faz, ou fez, diferença?
A primeira visão de todos nós, então meros tele-espectadores, é que se tratava de um ato político. Desde o início, das edições anteriores e, mesmo nas posteriores, entendia-se o espetáculo musical como um ato político. Isso se devia, largamente, a ambiência altamente politizada que a própria ditadura criara no país. Mas, devia-se, também, a hegemonia que pensadores como Bertolt Brecht ou Herbert Marcuse exerciam
sobre a intelectualidade brasileira de então. Era um tempo em que a arte era vista como tarefa política. As conseqüências poderiam ser variadas e extremadas, como ocorreu na própria obra de Brecht. Ora produzíamos obras-primas, ora surgiam criações medíocres, com uma grandiloqüência vazia e pomposa.
O conjunto da produção cultural brasileira, em especial em São Paulo e Rio, vivia momentos de turbulência, ebulição e exuberância criativa. Eram focos de tal ebulição o CPC da UNE (Centro Popular de Cultura), as experiências do Arena (em São Paulo, entre 1953 e 1972 promoveu uma renovação profunda da dramaturgia brasileira, em especial com autores como José Renato Pécora, Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri) e do Grupo Opinião (este com uma linguagem múltipla, utilizando-se de canções e textos, usaram o palco como local de denuncias sociais, como o fizeram Zé Kéti, Nara Leão, Maria Betânia, Augusto Boal e Oduvaldo Vianna Filho); as montagens de José Celso Martinez e de Augusto Boal transformavam os palcos brasileiros em locais de experimentação, de critica e de contestação. Talvez resida aqui – e somente nisso! – uma das fragilidades do documentário de Terra & Calil: a ausência de um contexto histórico, fácil e rápido de construir, do clima político e cultural do Brasil naquele ano. Seria um suporte excelente, em especial para o público jovem do filme.
O ano de 1967:
Foi neste clima de exuberância cultural, mas nem sempre com tamanha riqueza, que se deram os festivais. O filme de Terra & Calil nos permite, pela primeira vez (em virtude das dificuldades da posse dos acervos), rever os momentos principais, ainda embebidos em forte emoção, do festival da Record. Mas, acima de tudo, permite-nos ver os bastidores - a montagem - do evento. Da mesma forma, o recurso às entrevistas que pontuam os episódios de época funciona como um contraponto e, às vezes, como uma avaliação crítica e autocrítica dos próprios atores/autores/produtores do fenômeno.
Um panorama, mesmo que rápido, mostrando que o ditador de plantão era o general Costa e Silva, que a guerrilha do Caparaó era duramente combatida e – isso é básico para entender a época, incluindo aí a história da produção cultural brasileira – que em 1967 entrava em vigor a terrível Lei de Segurança Nacional daria ao público (insisto!), em especial aos jovens, uma noção do que era, então, o Brasil. Tudo isso ocorria enquanto Che Guevara, com seu foquismo, era morto nas selvas da Bolívia.
Os principais responsáveis – a direção da TV Record e o produtor do evento – quase se divertem no filme, contando como “planejaram” todo o evento. Havia um pré-roteiro, onde deveriam constar “bandidos”, “mocinhos”, “bonitinhos” e “extravagantes malucos”. Tudo bem arranjado, tendo como rascunho um (então muito popular) espetáculo de tele catch (um vale tudo carnavalizado que atraia o público nas noites de sábado).
É aí que a coisa pega.
Não nos referimos aqui ao filme em si ou seu roteiro. Os diretores optaram por uma fórmula direta, linear e focada no próprio festival e nos seus atores/autores, com o contraponto das entrevistas. É uma formula certa – talvez um conceito pobre, mas com excelente resultado para o entendimento do público – uma opção correta para quem quer fazer história. E assim tornou-se uma narrativa mais histórica do que fílmica.
Deixemos assim a questão da construção da narrativa. O problema aqui é outro.
Trata-se em verdade de acreditar, e creditar, aos autores/produtores/atores, em especial aos produtores/diretores do evento uma capacidade unívoca de explicar o evento, agora já um fato histórico, um fenômeno da história cultural brasileira. Essa é uma questão maior para o historiador: até que ponto os atores históricos (e aqui atores/autores) no calor da hora, no olho do furacão, são capazes de perceber as implicações e, mesmo, a grandiosidade/banalidade de um fenômeno histórico no momento mesmo em que ele ocorre. E o contrário também é verdadeiro: quantas e quantas vezes já lemos e ouvimos, na mídia, o uso e o abuso da expressão “acontecimento histórico”, “fato histórico” e similares para inúmeros eventos do cotidiano que, pouco tempo de depois, serão vistos como simplesmente banais?
O que fica patente para um observador atento – e um espectador do filme com a um mínimo de percepção histórica - é a incapacidade destes autores/atores entenderem o processo no qual estavam envolvidos e que, de certo, foram eles mesmos os responsáveis. Aqueles homens – muito especialmente a direção da TV Record, o produtor esperto e os apresentadores subservientes (como na criação de uma máscara facial de horror artificial no momento em que Sérgio Ricardo quebra o violão e o joga sobre o público) e incrivelmente mal-informados (como no episódio de entrevista de Chico Buarque sobre o que seria “cultura pop”) são todos personagens muito aquém do seu papel naquele “evento histórico”.
Atores ou produtores da história?
A versão desconstrutivista dos produtores da TV Record é simples: todos estavam ali para produzir um valor de troca, um bem comercializável e de fácil venda. Isso é verdade, é real. Não entendiam o valor das canções, a transgressão de cânones – como no caso “Domingo no Parque”, de Gil, em especial na participação dos Mutantes ou no arranjo de Magro para “Roda Viva” e, principalmente, no ápice da transgressão: a participação dos Beat Boys na apresentação de “Alegria, Alegria” de Caetano Veloso.
O que, principalmente, não entendiam aqueles homens era a autonomia da recepção do evento pela sociedade brasileira. Não perceberam a liberdade de apropriação múltipla do fenômeno histórico. Também não entendiam as possibilidades múltiplas, várias, de recepção e apropriação pelo público – não o público local, transformado voluntariamente em massa de manobra da produção de valor da empresa/emissora Record. Produziram uma obra maior do que eles mesmos.
Tais produtores, jornalistas e os entrevistadores/apresentadores responsáveis pelo festival (alguns com uma história posterior de colaboração e espionagem para a ditadura) entendiam o alcance do processo em curso? Pior ainda: os que deram entrevistas aos diretores do filme, hoje, conseguiram entender tudo aquilo que se passou naquela noite? A resposta é não. Décadas depois continuaram sem entender nada. Continuaram o que eram: menores que suas ações.
Não conseguiram perceber que aquele evento transcendia os esquemas montados – o clima de tele catch propositadamente copiado – e que rapidamente envolvia-se no clima político e artístico do país. Era, em verdade, um caso clássico do feitiço que se revolta contra o feiticeiro, torna-se autônomo e engole o seu criador. Que nada disso fosse percebido no momento pode-se entender – embora sempre fique certa perplexidade.
Mas, isso ocorre: a história pode ser maior que seus atores. O que surpreende, no caso dos produtores do festival, é sua insistência em entender o fenômeno como um, truque, uma simples manipulação ou mero recurso mercadológico. Estes homens não entenderam nada no calor da hora. E continuaram sem entender nada mais de trinta anos depois!
O Caso Sérgio Ricardo:
Não é gratuito que a direção do festival, tal qual o governo militar vigente no país, tenha “cassado” Sérgio Ricardo (“desclassificado”) por comportamento indevido (“baderna”?) depois que o cantor/compositor, massacrado pela vaia ampliada pela produção, quebrou o violão e o jogou sobre o público ululante.
A explicação dada pelos mesmos de que tudo era “arranjado”, que havia um modelito mercadológico e o que se fazia ali era “música de festival” é tudo isso, de uma pobreza colossal. Chico Buarque, escolhido para ser o “mocinho” (vestido de terno e gravata e reduzido ao “conservadorismo” pela rebeldia “Mutante”) recusaria o papel: “- eu era a “mocinha”!
Desde o início o processo escapou aos seus autores/atores e tornou-se parte da história cultural do país, marco artístico e parte da história da resistência cultural do país na época da ditadura. Tudo isso com e sem a intenção dos “magos” que deram seus depoimentos no filme. Talvez o exemplo mais cabal da desinteligência dos autores do espetáculo seja o episódio protagonizado por Sérgio Ricardo. A ignorância do valor artístico das produções ali presentes se cristaliza quando o produtor da TV fala em “canções de festival”. A classificação da canção de Sérgio Ricardo como não sendo “música de festival” como causa da “revolta” da platéia é muito fraca.
O contrário seria que o marco artístico brasileiro “Domingo no Parque”, de Gilberto Gil, ou a criação-rompimento “Alegria, Alegria”, de Caetano, eram canções de festival?
Na verdade tais “produtores” não entendem, não aprofundam e não analisam a decepção – injusta e autoritária – da platéia do Teatro Paramount (local do evento) com “Beto bom de bola”. Tratava-se de uma canção difícil – como tudo composto por Sérgio Ricardo – e com um arranjo talvez inadequado. Contudo, “Beto bom de bola” era tudo, menos uma canção escapista ou desengajada. Sérgio Ricardo lançava-se numa crítica dura, impiedosa ao dia-a-dia do futebol brasileiro, desconstruía o mito da ascensão social através dos esportes, denunciava a máfia dos cartolas... Pena, muita pena mesmo, que a platéia – ansiosa pelo óbvio – nada tenha entendido.
Foi algo semelhante, pouco tempo depois, com o duelo entre “Sabiá”, de Tom e Chico Buarque, e “Para dizer que não falei de flores”, de Geraldo Vandré no III Festival Internacional da Canção, da TV GLOBO, em 1968. Com Vandré tínhamos uma marcha, melodiosa é verdade, mas comum e com uma poesia (a então chamada “letra”) dura e óbvia, uma clara critica aos militares e seus ideais de caserna. Já “Sabiá”, toda bordada em sutilezas, fazia citações de Bach até Gonçalves Dias, para falar de uma nova realidade brasileira: o exílio. Tema altamente politizado, mas tratado com sutileza, com imaginação, e cheio de referencias à própria história do Brasil. Mais uma vez a platéia não entendeu, optou pelo fácil e vaiou Tom Jobim e Chico Buarque de Holanda (nas vozes virtuosas de Cynara e Cybele, do Quarteto em Cy). Mas, na ocasião, o júri não foi “cassado” e o preterido – o sensível Geraldo Vandré – entendeu o valor de “Sabiá” e defendeu a concorrente.
A mais acachapante prova de desinteligência da história, que os “magos” do festival auto-atestam, é a explicação do “sumiço” de Sérgio Ricardo em virtude de sua atitude no festival. Nem Sérgio Ricardo sumiu e nem foi em virtude da “violada no público”. Sérgio Ricardo continuou uma brilhante carreia. Uma carreira que não foi nunca, nem antes e nem depois do festival, uma carreira de mega-star. Tratava-se sempre de um artista introspectivo, capaz de escolhas difíceis e de um fluxo de criação intenso e variado – como cinema e teatro, ao lado da música. São provas disso a parceria com Gianfrancesco Guarnieri ou Glauber Rocha e sucessos poéticos como “Ponto de partida” e o importante LP “Calabouço” (inspirado na morte do estudante Edson Luis) ou Tocaia (dedicada a Lamarca).
O pretenso sumiço de Sérgio Ricardo – se isso quer dizer seu afastamento da showbizz deveu-se claramente a censura e a perseguição política movida pelo regime militar contra o artista. É assustador que tais produtores culturais não saibam nada mais da carreira de Sérgio do que a violada no teatro...
Os que viveram com a história:
Sem dúvida os tais produtores esforçaram-se, no filme, para parecerem demiurgos, criadores a partir do nada, autores da história em toda sua extensão. Contudo, o esforço foi vão. O resultado foi apenas apequenar a própria história e suas biografias. Outros autores/atores presentes no filme, como os compositores Caetano Veloso, Chico Buarque e o próprio Sergio Ricardo tiveram mais agudeza, capacidade de contextualização, e puseram os temas em perspectiva histórica, num grande ganho para os espectadores. Outros como Gilberto Gil e Roberto Carlos nem tanto, mas por motivos diferentes. Gil mostrou-se exagerado, por demais interessados em explicar tudo, como se tudo já estivesse pronto em sua cabeça, num movimento exatamente oposto aquele dos produtores. Gil já sabia que se fazia uma revolução, queria a revolução estética e cada passo era um passo em direção ao futuro. Talvez fosse assim, mas só talvez... O que, por sua vez, produz constrangimento quando em seu depoimento no filme Gil tenta explicar a sua participação na divertida, equivocada e autoritária passeata contra as guitarras na música brasileira. Repassar toda a culpa pelo tremendo equívoco de organizar uma passeata para este propósito na ciclorítmica Elis Regina é, no mínimo, triste.
Já Roberto Carlos era... bem Roberto Carlos. Divertido, sincero e amigo de todos. A canção por ele defendida – um samba contido, triste e socialmente engajado chamado “Maria, carnaval e cinzas” – não era de sua autoria (era de Luiz Carlos Paraná) e fora entregue como tarefa ao artista pela emissora Record. Mas, sua interpretação foi sensível, íntima e verdadeira. Roberto deveria regravá-lo. Para nossa tristeza é um tema ainda atual...
Chico Buarque – por humildade (ou será sua famosa e auto-proclamada timidez) – procura banalizar as condições existentes, reafirma a necessidade da ação artística como mudança e resistência, mas sem profetizar o futuro como Gil. Já Caetano Veloso é o único que produz uma análise simultaneamente contextualizada e comedida (o que sempre é uma surpresa em se tratando de Caetano) do movimento/acontecimento.
Caetano é humilde, claro, amigo. Indica Gil como um teórico do rompimento, da desconstrução. Atribui a uma vasta fauna de amigos e colegas papéis inovadores, transformadores, mesmo quando sabemos que Caetano era ele mesmo, a transformação, o novo. Chico sabia disso, sentiu isso e afirma muito sincero, ter ficado “conservador” em face ao que os baianos faziam.
De qualquer forma o acontecimento (o festival) e o documento (o filme) nos permitem algumas conclusões provisórias: o querer dos atores/autores é menor que o fenômeno e ambos são muito menores que a apropriação que a sociedade brasileira fez do próprio fenômeno. O festival, os festivais, transbordaram para além da receita e da previsão, tacanha, de seus criadores. A razão para isso reside, muito claramente, na galáxia de talentos ali reunidos: Gil, Caetano, Chico, Sérgio Ricardo, os Mutantes, Edu Lobo, Roberto Carlos, Marília Medalha – todos se tornariam parte da história cultural do país. E naquele momento parte da resistência política do país.
Canção e resistência:
A apropriação/recepção do fenômeno dos festivais foi múltipla, para além do fenômeno mercadológico, origem de tudo. Houve uma apropriação imediata pelo auditório, uma platéia/ator, largamente criada pela produção – e aí reside o aspecto tele catch do fenômeno festivais, Tratava-se de uma platéia autoritária, tocada pelo desejo do imediato e do banal, compreensível de imediato, sem qualquer apelo ao imaginário (prova disso foi a não classificação da lindíssima canção de Sidney Miller “Estrada e o Violeiro”, defendida por Nara Leão). Deu-se, também, a apropriação pelo público televisivo – um fenômeno novo, que pouco entenderam ao tempo, exceto talvez Caetano, um mago em usar a TV e o próprio Gil, como diria mais tarde em “Aquele Abraço!”. Houve ainda uma apropriação política, pela oposição à ditadura, que escolheu hinos, slogans e posturas inspiradas nas canções. Foi assim com “Roda Viva” , de Chico Buarque, que tão simplesmente existencial, tornou-se ação e recusa; foi assim com “Ponteio”, de Edu Lobo... mas, “Ponteio” era isso mesmo, denúncia e recusa... Mas, não foi assim com “Domingo no Parque”, de Gil, revolucionária nas suas guitarras (com os Mutantes), na sua poesia e na sua estrutura de narrativa concreta. Isso era o melhor de Gil.
Foi também apropriado – o fenômeno festival – pela ditadura. Numa absurda dialética a ditadura entendeu os festivais da mesma forma que a esquerda o entendeu: como arma política. Por fim, o festival foi apropriado, recebido e entendido por toda uma geração como memória, memória de um tempo de guerra. Memória-combativa, memória heroicizada de uma geração – da maior parte das pessoas que estavam no cinema quando eu mesmo assisti ao filme. Pessoas que cantaram as canções ainda uma vez, que aplaudiram os depoimentos e que comentavam o aparecimento de cada um dos artistas na tela.
O filme de Terra & Calil nos permite, assim, uma série de considerações sobre a história, sobre a MPB e sobre o próprio cinema. Fica patente, desde o inicio, que os autores/atores históricos poucas vezes se libertam do seu próprio tempo presente para compreender a dimensão dos acontecimentos em que são eles mesmos, protagonistas.
Para muitos, em especial “técnicos” em comunicação, história ou ciências políticas cabe a tarefa de desconstruir o próprio fenômeno dos festivais. Ora trata-se de estratégia de marketing pessoal e acadêmico, visando causar escândalo, escandir o politicamente incorreto. A ênfase reside sempre num recurso torto ao filósofo Theodor Adorno e ao conceito de indústria cultural, como se tudo fosse mercadoria. E pior: permanece mercadoria, mesmo depois de sua apropriação múltipla pela sociedade. O fenômeno – o que mais nos interessa – da recepção pela sociedade e da apropriação múltipla dos festivais não é considerado. Ora centralizam toda a análise na demonstração – real, concreta – que o fenômeno anti-autoritário era largamente autoritário. Mas, também aqui, as apropriações múltiplas, e, portanto abertas e democráticas, escapam ao analista.
O grande mérito, para além dos 100 deliciosos minutos de entretenimento, do filme de Calil &Terra é, por isso mesmo, permitir tantas leituras de um só fenômeno: os festivais.
Francisco Carlos Teixeira é professor Titular de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
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