''Vou te dar uns óculos, Telê. Quem tem de jogar sou eu, não o Oscar!'', gritou do fundo do ônibus o ex-zagueiro Juninho. Era a sua primeira convocação, e o tom abusado da afirmação rendeu boas gargalhadas
Em período de Copa do Mundo o planeta se volta para a sede do grande evento. Tomamos conhecimento da realidade do país disposto a receber a grande massa ávida por espetáculos e, principalmente, por trocar experiências com outras gentes e culturas. Gentes e culturas também dentro de campo, onde não faltam histórias. Dividirei algumas com vocês.
Na Copa do Mundo de 1986 ficamos alojados no centro de treinamento da equipe da Universidade de Guadalajara. Fomos alocados em trios, pois os quartos eram imensos. Comigo, permaneceram Júlio César, negrão de fino trato e extremamente inteligente, e outro companheiro, também defensor, que chegava pela primeira vez à Seleção.
Seguíamos nossa intensa preparação para o torneio e só tínhamos tempo para treinar e descansar nos momentos de folga. Um dia tivemos uma desagradável surpresa ao voltarmos para o nosso alojamento: encontramos a pia do banheiro completamente entupida. Imediatamente procuramos solucionar o problema, apelando para a manutenção. Qual não foi a nossa estupefação quando encontramos uma caixa de fósforos caprichosamente alocada naqueles quatro pequenos vãos que permitem o escoamento da água.
Depois de muito pensar para descobrir o autor da façanha, chegamos ao terceiro hóspede daquele quarto. Quando lhe perguntamos o motivo, ele respondeu: “Não achei lugar melhor para eliminá-la”. Só podíamos morrer de rir, já que tínhamos uma lixeira em cada cômodo, mas para ele foi a saída encontrada. Esse lance demonstra bem a importância da boa educação para todos nós. Nosso companheiro, espero, deve ter aprendido a lição.
Estávamos em Estocolmo, em 1983, onde jogaríamos um amistoso da Seleção com a Suécia. Eu era um dos únicos remanescentes da equipe da Copa da Espanha e capitão do time; o técnico era Carlos Alberto Parreira, hoje à frente da seleção anfitriã da Copa de 2010.
Depois de um treinamento, me dirigi ao quarto para descansar um pouco. Acomodei-me deitado e tomei um livro nas mãos para usufruir de uma boa literatura. Eu estava distraído, admirando as palavras que se deixavam cair daquele tesouro, quando batem à porta. Respondi que ela estava apenas encostada, quem quer que fosse poderia entrar.
Espantei-me ao perceber que quem me visitava era a comissão técnica inteira, seis ou sete elementos que mal cabiam no acanhado apartamento. Abaixei o livro e aguardei a manifestação de um deles. Aparentemente se encontravam surpreendidos com o que eu estava fazendo pelas expressões de seus rostos, o que talvez tenha impedido qualquer tipo de questionamento que, porventura, tenha provocado tamanha invasão de privacidade. Esperei por eternos minutos e como nenhum se manifestava, voltei à minha leitura como se nada houvera acontecido.
Imediatamente todos se retiraram sem ao menos balbuciar uma única palavra e até hoje não compreendo o motivo de “tão importante visita”. Com certeza acreditavam que eu estivesse fazendo alguma coisa errada e gostariam de me flagrar em plena ação “criminosa”. A inocência do ato de ler deve tê-los emudecido. Mostra bem a pequenez que ainda hoje impera no meio futebolístico.
Realmente são admiráveis as pessoas espirituosas. Uma das mais próximas de mim, até hoje, é o ex-zagueiro Juninho, que começou na Ponte Preta e comigo jogou no Corinthians e na Seleção, depois foi técnico e agora virou dirigente esportivo. Com ele vivi momentos marcantes na vida e aprendi a vê-la de forma mais alegre.
Duas de suas passagens mais engraçadas foram na Seleção de Telê. Em sua primeira convocação, ao nos dirigirmos ao estádio Castelão, de Fortaleza, lá do fundo do ônibus, literalmente gritou: “Vou te dar uns óculos, Telê. Quem tem de jogar sou eu, não o Oscar!” Foi uma gargalhada só. Ainda mais partindo de um calouro, no qual geralmente a timidez é a característica mais presente.
A outra ocorreu logo após a derrota para a Itália na Copa de 1982. Estávamos esperando a saída de nosso ônibus para voltarmos tristemente ao hotel, com vários companheiros lacrimejando ou, no mínimo, absolutamente calados em um ambiente de funeral, quando ele saiu com esta pérola: “Foi um sonho galera; o jogo é amanhã”. Não conseguiu nos fazer rir, mas disse exatamente o que todos nós gostaríamos que estivesse acontecendo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário