quarta-feira, 9 de junho de 2010

O CARTÃO DE VISITAS

As grandes corporações vivem adotando modismos de gestão. Um deles vivi anos atrás na Corte do Cosme velho. Foi o de dividir a empresa em vários centros de custos e transformar os chefes em gestores de orçamento. Logo pensei: - Jornalista detesta números, não sabe sequer fazer uma regra de três, como é que vai gerir orçamento? Depois tem outra, muitos ali não conseguem nem administrar a conta bancária, que vive estourada, como vão planejar a execução orçamentária do departamento? As consequências foram catastróficas. Transformaram os gestores em "cabeças de planilha" e criaram um poder paralelo no departamento, com assistentes administrativos para gerir recursos financeiros/humanos. O resultado? Os repórteres e cinegrafistas em viagem começaram a colecionar e somar notas fiscais. A chefia começou a segurar o helicóptero no chão, mesmo quando a notícia pedia imagens aéreas. E os chefetes passaram a massacrar seus subalternos para engordar seus prêmios de participação. O plano de cargos e salários foi para o lixo, porque para cumprir as metas foi preciso "criatividade": cortar horas-extras. Consequentemente, a qualidade de uma atividade essencialmente intelectual foi descendo pelo ralo. Me lembro de uma passagem interessante. A colega no poder rebolou e conseguiu fazer sobrar dinheiro no orçamento do jornal. Perto do fim do ano estava diante de um problema: se devolvesse para a administração poderia perder o recurso no ano seguinte. Teve uma idéia, não sei se inspirada ou não pelos planilheiros: fazer brindes. Assim presenteou colegas com blocos, canetas, "mouse pads"... Mas teve uma idéia ainda mais brilhante: mandou fazer cartões de visita. Quando recebi minha caixa com 250, pensei: - Para quê cartão para quem trabalha internamente? Distribuí alguns entre os próprios colegas por farra, um para minha mãe, um para cada irmã (duas no total) e um para minha mulher. O resto foi para o lixo anos depois. Mas entendi a lógica: dentro da firma te tratam como um imbecil, te humilham, mantém sua auto-estima lá no chão. Mas para o mundo lá fora você parece ser alguém. Assim, os colegas vivem a ilusão de achar que são o que as pessoas lá fora acham que eles são, enquanto lá dentro estão convencidos por seus chefes de que não passam de um pequeno parafuso na engrenagem, pronto a espanar e ser substituído a qualquer momento. Algo faz lembrar Charles Chaplin em 'Tempos Modernos', não acham?
Por isto que os trabalhadores tem cara de babaca, não pensam por si, na empresa que trabalho, já vi colega levantar a mão e pedir para ir ao banheiro, pior é quando se tem a nítida impressão de que se é tão e somente uma laranja (eu disse uma laranja - fruta), que se espreme até não se ter nem mais o bagaço, e, então...lixo.

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