RITA SIZA.
A Alemanha tem outra coisa que a recomenda, além do futebol: é a ilustração da ironia da história.
LEMBRO-ME QUE se repetia aqui, há uns anos, um chavão a explicar o futebol como um jogo de "onze contra onze, e no fim ganha a Alemanha". A ausência de adjetivos na descrição era deliberada e pretendia dar conta da completa ausência de emoção do estilo germânico: eles eram disciplinados, porém toscos; fortes, mas sem inspiração; eficientes, só que aborrecidos. Os alemães torciam pela Alemanha, claro, e o resto do mundo resignava-se a admirar as suas conquistas e dedicava-se a destruir e lamentar o jogo alemão.
Não sei se hoje a Alemanha vence o Uruguai para obter o prêmio de consolação na Copa da África do Sul, mas desta vez eu vou torcer por eles.
Um comentarista americano explicava com enorme entusiasmo como tinha ido à África do Sul, porque queria ver o Brasil jogar, e como tinha adorado cada minuto. Vira o lindo jogo brasileiro, mas o time não estava vestido de amarelo -era a Alemanha que, argumentava ele, era o futebol mais criativo, mais dinâmico e mais empolgante.
E é certo que, logo no primeiro jogo, contra a Austrália, o resultado de 4 a 0 revelava que o velho refrão não podia aplicar-se mais. Depois, eles humilharam a Inglaterra e banalizaram a Argentina, neutralizando o Messi sem nunca sequer fazer uma falta feia contra ele. Tudo isso enquanto, ao jeito das volúveis equipas de sangue quente, eram capazes de inexplicavelmente causar desilusão contra Sérvia, Gana e, no fim, Espanha, foram uma sombra.
Para mim, esta selecção alemã tem outra coisa que a recomenda, além do futebol: ela é a perfeita ilustração da ironia da história. Lá na profundeza do inferno onde seguramente está atirado, o antigo Führer do bigodinho deve se contorcer cada vez que o hino é cantado por alemães de ascendência polaca, ou filhos de tunisinos, negros com nomes como Cacau, e até turcos, mais ligados no Corão.
Também ouvi um dos muitos intelectuais do futebol da televisão portuguesa explicar como nada no desfecho desta Copa da África do Sul podia ser considerado uma surpresa: foram as melhores equipas, com o melhor futebol, que chegaram à final, dizia ele. Falou uma boa meia hora para explicar o seu raciocínio e eu cá, que não sou doutora da bola, não fiquei nada convencida. Não penso assim. Eu acho que a Alemanha foi uma grande surpresa e a revelação deste Mundial. Mesmo se, ao contrário de outros tempos, não ganhou no fim.
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