A humanidade tem apego às regalias e a danação divina já não mais ameaça.
UMA EXPERIÊNCIA sobre a psicologia do encarceramento realizada no verão de 1971 na universidade de Stanford, nos Estados Unidos, criou uma prisão fictícia onde 24 alunos voluntários foram divididos aleatoriamente entre presos e carcereiros.
Os primeiros foram trancafiados, uniformizados e apelidados de acordo com seus números de inscrição. Os outros receberam a incumbência de vigiar e tratar os reclusos como bem entendessem.
Após seis dias de prática, a pesquisa teve de ser interrompida porque os que assumiram o papel da polícia, independentemente da índole pessoal ou grau de amizade com os prisioneiros, se revelaram carrascos sádicos e abusivos. E os cativos, apesar de isoladas revoltas, foram de uma submissão espantosa.
Apesar da brevidade, o teste serviu para provar que a ética e os bons costumes não são valores intrínsecos, mesmo no íntimo de jovens bem educados. O homem é um ser gregário e influenciável, um animal que tende a imitar o que acontece em sua volta. A ocasião faz o ladrão.
A explicação corriqueira dada pelo cidadão comum para o desejo de alguém almejar cargo público é o sonho de enriquecer e ter acesso a benefícios inerentes ao poder. A vontade de promover o bem comum é tida como conversa para boi dormir.
É compreensível. Diante de tantos casos de desvio de dinheiro, tráfico de interesses e nepotismo, nos
sentimos santos com o direito a baixar o cacete na safadeza que muitas vezes governa o país.
Mas me pergunto se eu, tão cheia de hombridade, resistiria às delícias perversas da hierarquia. A experiência americana me dá sérias razões para duvidar da firmeza do meu caráter. O poder corrompe e vicia.
Uma vez, um político foi me assistir no teatro. Fiquei honrada com sua presença, mas a lista de convites da delegação oficial foi engordando à sua revelia. Duas horas antes do espetáculo, um homem se apresentou na bilheteria dizendo fazer parte da comitiva e requisitou dois convites. Perguntamos se deveríamos deduzi-los dos já reservados e ele disse que não, os dele eram à parte.
Nisso, chegou o chefe da segurança avisando que precisaria de mais um ingresso para a guarda. Explicamos que a casa estava lotada e já estávamos atendendo o pedido do misterioso senhor. O oficial se mostrou surpreso e pediu que o tal se identificasse. O cartão dizia algo como segundo-assistente do vice-secretário do cerimonial. "E a outra entrada?" -perguntou o segurança. "É para o meu amigo." -respondeu o quase assistente do subgerente.
"Mas a produção da peça não tem nada com isso!" -nos defendeu o superior. Não acredito que o subsecretário do vice-chefe achasse que estava fazendo nada de errado. Não era roubo, trapaça ou esperteza, era direito, inerente ao cargo, mesmo um subcargo como o dele.
A fragilidade humana tem apego às regalias e a danação divina já não serve de ameaça, quem vota no Rio de Janeiro sabe bem do que eu estou falando. Se os tribunais permitirem, a Lei da Ficha Limpa pode servir para proteger o político de suas próprias fraquezas. Ponto para o desconhecido Indio da Costa, que acabou vice-candidato e pode render votos para a campanha de Serra.
A retaliação exemplar é a garantia da boa intenção. O altruísmo só existe porque a punição, moral ou genética, é tão devastadora que algo nos obriga a agir como heróis... Ou ratos.
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