sexta-feira, 2 de julho de 2010

LÁ VÊM OS BÔERES

PASQUALE CIPRO NETO.
Os bôeres devem ser maioria no estádio, mas na maioria dos lares sul-africanos é Brasil na cabeça.
SABE QUEM são os bôeres, caro leitor? Antes que vejamos quem são esses seres, permita-me perguntar-lhe: como você leu "bôeres"? Ignorou o circunflexo e pôs tonicidade no primeiro "e", ou seja, leu a palavra como paroxítona? Se fez isso, errou.
Vamos começar de novo: bô-e-res, com força no "o" (a palavra é proparoxítona; trata-se do plural de "bôer"). E o que vem a ser essa palavra? Esse termo se refere aos colonizadores holandeses (e seus descendentes) da atual República da África do Sul.
Pois os bôeres são maioria aqui em Port Elizabeth. Não me refiro só ao público que estará no estádio hoje; refiro-me também à população da litorânea cidade em que se dará a peleja.
A presença deles é visível. Perto do local em que estamos hospedados, há uma escola bôer, em cuja fachada se lê algo escrito em africânder (ou africâner), uma das 11 línguas oficiais, cuja origem é o holandês do século 17, com traços do francês e do inglês coloniais e até do malaio-português.
A história dos bôeres por aqui começa em 1647. Depois de algum período de convivência pacífica com os povos locais, os bôeres resolveram mostrar a que vieram, e aí... Aí é que eles não são amados pelos zulus e pelas demais etnias sul-africanas. Muito sangue zulu jorrou nesta terra, por obra e graça do radicalismo racista dos bôeres.
Moral da história: os bôeres (e/ou africânderes/africâneres) devem ser maioria no estádio, mas na maior parte dos lares sul-africanos, sobretudo nos das etnias locais, é Brasil na cabeça e no coração, e por duas razões: simpatia pela seleção brasileira e ódio aos holandeses.
Posto isso, quero lembrar que Brasil e Holanda esperaram até 1963 para o primeiro jogo, realizado "lá", numa fracassada excursão (Holanda 1 a 0).
O jogo seguinte só aconteceu 11 anos depois, na Copa de 74. Zagallo disse que não tinha visto a Holanda jogar, nem era preciso fazê-lo. No primeiro tempo, a Laranja Mecânica respeitou o Brasil, e o jogo foi parelho (a seleção perdeu dois gols feitos).
No segundo... Alguns milagres de Emerson Leão, e a inevitável vitória holandesa: 2 a 0. Em seu livro, Cruyff explica: a Holanda tremeu. "A simples lembrança de que enfrentaríamos o Brasil nos fazia tremer." Quando caíram na real e viram que podiam encarar a fera, o 2 a 0 ficou barato.
Pois é, caro leitor. A camisa da seleção (azul hoje, como em 74) ainda pesa? Certamente pesa-mas não basta para ganhar o jogo. É isso.

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