CARLOS HEITOR CONY
No final dos anos 60, Zé Kéti fez a marchinha que ficou sendo, senão a última, uma das últimas expressões deste gênero carnavalesco. Inspirando-se à sua maneira nos personagens clássicos da "commedia dell'arte", ele inverteu o triângulo amoroso formado pelo pierrô, pelo arlequim e pela colombina.
Como se sabe, o Pierrô é o traído, a face branca de alvaiade banhada de luar, chorando pelo amor da Colombina. O Arlequim, servidor de todos os senhores, é o alegre aproveitador da desdita do Pierrô.
Como disse Noel Rosa, "um grande amor tem sempre um triste fim, com o Pierrô aconteceu assim, levando este grande chute, foi tomar vermute com amendoim".
Zé Kéti inverteu o triângulo. Mais de mil palhaços no salão, o Arlequim é quem está chorando pelo amor da Colombina no meio da multidão.
A crítica desceu o malho no compositor. Então ele não sabia que o Arlequim é quem ri e o Pierrô é quem chora? Zé Kéti deu uma resposta genial: "A letra é minha e nela quem manda sou eu". E assim o Arlequim chora até hoje pelo amor da Colombina.
Volta e meia, um cronista de qualquer quilate pode cometer um atentado contra aquilo que o Ruy Castro chama de "rigor histórico". Competente biógrafo de pessoas, como Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmem Miranda, e de movimentos coletivos como a bossa nova e a cultura de Ipanema, ele se esmera em apurar tudo direitinho. Nunca me perdoou por ter alterado a verdade histórica de um célebre Fla x Flu, a famosa partida das "bolas na Lagoa".
Num livrinho sobre o assunto, dei um resultado que não agradou ao Ruy. Ele me pediu que corrigisse o erro na segunda edição. Não o fiz. Mantive a minha versão. Tal como aconteceu com o Zé Kéti, invoco a meu favor o direito de mandar naquilo que escrevo.
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