O atual modelo de disputa eleitoral não favorece o voto consciente, apartir de 5 de julho, vamos entrar na fase de anacronismos tolerados.
Vai começar o segundo tempo da campanha presidencial. Mais exatamente, em 5 de julho, data-limite para que os partidos registrem o nome de seus candidatos e dia do início oficial da propaganda eleitoral.
Até lá, a campanha vive o final do primeiro tempo, seu pior momento. Como durante quase todo ele não existem formalmente candidatos, ela não pode existir às claras. Tudo o que os atores políticos fazem, tendo em vista o processo eleitoral, fica em uma zona escura, vizinha da ilegalidade. Esse tempo é um inferno, cheio de coisas proibidas.
Na verdade, há algumas que se aceitam. Nossa legislação eleitoral permite que os partidos façam consultas a seus filiados, promovam discussões e debates programáticos internos. Desde que aconteçam entre quatro paredes, cuidando para que os cidadãos comuns não participem.
Mas nenhum partido pode ter candidato antes das convenções (que só são autorizadas após 10 de junho) e ninguém é livre para dizer que é. Qualquer gesto em contrário é passível de ser enquadrado como promoção de algo que a legislação não admite, a candidatura “fora de hora”. Falar dela é “propaganda antecipada”.
Regras como essas nunca foram respeitadas na vida real. E é bom que nosso sistema político tenha preferido ignorá-las. Se o mundo fosse assim, o País acordaria no dia 6 de julho para só então começar a pensar no que faria 90 dias depois. Seria um prazo curtíssimo, até para quem tem todo o tempo do mundo para se dedicar a conhecer os candidatos. “Antecipar” a propaganda, no fundo, é dar mais tempo aos eleitores para que pensem nas escolhas que terão pela frente.
Como todos atravessam essa etapa em relativa ilegalidade, é sempre possível acusar alguém de uma conduta irregular. Veja o que aconteceu em maio: o PT usou seu tempo “partidário” na televisão para fazer exatamente aquilo que todos os partidos sempre fizeram, propaganda eleitoral, em vez de divulgar sua “doutrina”, como exige a legislação. É uma prática tão velha quanto a Sé de Braga, normal na tradição de nosso sistema político. O PSDB e seus simpatizantes protestaram, se indignaram, foram aos tribunais. Mas, duas semanas depois, a campanha de Serra fez exatamente o mesmo, no seu próprio programa e nos do DEM e do PPS. Aí, a vez de estrilar foi do PT.
Em 5 de julho, as campanhas saem do inferno, mas não vão diretamente ao paraíso. Antes que chegue o período luminoso em que a televisão e o rádio ficam à sua disposição, têm de atravessar o purgatório, que dura até 17 de agosto.
A legislação trata essa etapa como se estivéssemos em plena década de 1940. Ela tolera, antes de agosto, apenas verdadeiros fósseis da comunicação política: carros de som, alto-falantes na porta de comitês, comícios, outdoors. Todos ainda existem, mas nenhum tem a importância que teve no passado. Nas eleições presidenciais, não servem para quase nada.
Os comícios são o caso mais óbvio de perda de relevância. Nas cidades maiores, onde a agenda permite que os candidatos a presidente estejam presentes, costumam ser apenas um incômodo. Atrapalham o trânsito, sujam as praças. Só militantes vão. Sem músicos e atrações, tornam-se monótonos. Seus organizadores sempre ficam com medo de que ninguém vá e a imprensa mostre que foram um fracasso. Daí, arrebanham espectadores em troca de lanches e gorjetas, o que só aumenta o clima de desânimo.
Se os comícios são, hoje em dia, isso, para que servem os “palanques” que os candidatos tanto procuram? Com sua decadência, onde seriam exibidas as alianças estaduais, tão cobiçadas? Na televisão?
Quando ela chega, as campanhas entram no paraíso. Mas é um tempo minúsculo, que dura apenas um mês e meio. Serra e Dilma só terão 17 oportunidades de se apresentar em seus 7 a 10 minutos de programas eleitorais, à tarde e à noite. Adicionalmente, terão o equivalente a pouco mais que a metade disso em inserções espalhadas na programação das emissoras.
Isso força as campanhas a adotar uma linguagem totalmente publicitária na sua comunicação com o eleitor. A valorização da imagem e o abuso do apelo emocional tornam-se inevitáveis.
Um dia, quando resolvermos que é hora de fazer uma boa reforma em nossas instituições e práticas políticas, teremos de rever o modelo de campanha a que chegamos. Começando a ter de se esconder, atravessando uma fase de anacronismos tolerados, ela desemboca em uma breve explosão televisiva. Podemos ter certeza de uma coisa: é um modelo que pouco - favorece o voto consciente.
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